Medo do coronavírus é pior do que o vírus em si, diz especialista

Questão de Fato
9 mar 2020

 

Paul Offit é um pediatra americano especializado em vacinas. Ele também é o diretor do Centro de Educação de Vacinas, no Hospital Pediátrico da Filadélfia (Children’s Hospital of Philadelphia). Offit é o co-inventor da vacina do rotavírus, RotaTeq, utilizada nos Estados Unidos e recomendada para uso universal em crianças pelo CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos). 

Além de diversas publicações científicas, Offit é autor de livros sobre medicina para audiência geral, como Vacinado - A Luta De Um Homem Para Vencer As Doenças Mais Mortais Do Mundo

Conversei com o Offit sobre o surto do Coronavírus (Covid-2019).

 Felipe Nogueira: Você anda mais ocupado por conta do surto do coronavírus? 

Offit: O vírus está dominando as nossas vidas. Eu acho que o medo do vírus é um problema maior que o vírus em si.

Nogueira: Até agora, podemos dizer que esse vírus é realmente pior que o surto de gripe suína (H1N1) de 2009? 

Offit: Não. Provavelmente, os melhores dados vêm da Coréia da Sul, onde fizeram o exame para o coronavírus em 100 mil pessoas. Encontraram 6000 casos e 42 mortes. Isso confere uma mortalidade de aproximadamente 0,7%. 

Talvez seja um pouco pior que pandemia do H1N1 de 2009, mas não muito. Até a gripe sazonal tem mortalidade perto de 0,5%.

O problema do coronavírus é que as pessoas acham que têm mais chances de morrer caso contraiam o vírus. Creio que todas as evidências mostram que isso não é verdade. 

Nogueira: Esse medo das pessoas não vem por conta da alta taxa de mortalidade divulgada, de 3% ou 6%, considerando casos fechados? Até a Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou esses números.  Acredito que o problema desses números é que não sabemos exatamente a correta quantidade de pessoas com doença leve, ou sem sintomas. 

Offit: Por isso que os dados da Coréia do Sul são importantes. Eles fizeram o exame do coronavírus em 100 mil pessoas. Com isso, têm uma melhor ideia da quantidade de infecções sem sintomas e infecções com leves sintomas. Então, eles conseguem entender o melhor a base, não só a ponta do iceberg. 

Os Estados Unidos foram muito lentos em ter um exame diagnóstico.  A Coréia do Sul testou 25 mil pessoas antes dos Estados Unidos testarem 500. 

Precisamos ter uma melhor noção da taxa de mortalidade, mas no meu entendimento, a mortalidade é bem menor do que a OMS está reportando.

Nogueira: Em relação às ações dos países ao redor do mundo – escolas foram fechadas; na Itália, a competição de futebol foi suspensa no último final de semana – você acha que foram mais motivadas pelo medo do que pelo real perigo do vírus?

Offit: Sim. Este ano, nos Estados Unidos, ocorreram entre 300-500 mil hospitalizações por causa da gripe. Tivemos entre 20-45 mil mortes. Dentre essas, 154 foram em crianças.

Nos últimos dois meses que o Covid-19 esteve nos Estados Unidos, 20 crianças morreram de gripe; nenhuma criança morreu de Covid-19.

Gostaria que eles colocassem, a cada semana, o número de pessoas que morreram de gripe e o número do Covid-19. Perceberíamos que a gripe é bem pior. Mas não fazemos quarentena, não fechamos escolas, nem cancelamos reuniões, igrejas e sinagogas por causa da gripe. 

Não entendo qual a diferença. Se ambos os vírus têm chance igual de causar infecção e doença, por que estamos tratando de forma diferente? 

O que me preocupa é que a nossa administração disse para que você vá ao médico e peça para fazer o exame do Covid-19. Com isso, pessoas com leves sintomas irão ao médico e perguntarão se estão com o Covid-19. E isso causará um grande impacto no serviço americano de saúde; tornará os recursos mais escassos; dificultará ajudar quem realmente precisa. Acho que faremos mais mal do que bem nisso tudo. 

Nogueira: As pessoas com corona que precisam de ajuda são tratadas diferente do que os casos graves de gripe? 

Offit: Alguns sintomas são diferentes. É mais provável ter febre mais alta com o coronavírus do que com gripe, e também ter tosse seca. Fora isso, são vírus respiratórios semelhantes. 

O que me preocupa é que criamos tanto medo que as pessoas estão mais vulneráveis a buscar tratamentos que não vão funcionar. Acho que a comunidade da "saúde e do bem-estar" vai entrar nisso. 

Agora, há pessoas interessadas em fazer uma vacina, e espero que não corram com o processo. Porque, na verdade, assim como na gripe, as pessoas com mais chances de morrer são idosos e pessoas com doença cardíaca. São essas pessoas que morrem de coronavírus. O surto de corona nas casas de repouso nos Estados Unidos foi responsável por parte considerável das mortes que tivemos aqui. 

Nogueira: Até em relação à vacina, acho que estão exagerando, porque a vacina precisa ser desenvolvida e testada. Qual o menor tempo necessário para termos uma vacina do coronavírus pronta? 

Offit: Não consigo imaginar que haverá algo pronto para um estudo de eficácia de Fase 3 [a fase final de testes em seres humanos, que precede a liberação de um medicamento para uso amplo na população] em menos de dois anos. 

Quando Ebola atingiu a África Ocidental, os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA estavam trabalhando em uma vacina do Ebola por 20 anos. Eles tinham feito testes em modelos de animais, eles fizeram estudos de Fase 1 e 2 de segurança e imunogenicidade. Quando o surto ocorreu, as vacinas estavam em frascos e eles estavam prontos para testes. Isso não é verdade aqui. Não temos nenhum histórico em fazer vacina para coronavirus. Como vamos fazer uma vacina? Será uma vacina de mRNA? Será uma vacina de DNA? Será uma vacina de proteína purificada? Será uma vacina com vetor? Ninguém sabe. 

E certamente a FDA (Food and Drug Administration) precisa regular esse produto, já que todo mundo nos Estados Unidos provavelmente tomaria a vacina sem pensar, mesmo sem ter sido testada. Lembrando que a maioria das pessoas não vai morrer por esse vírus mesmo que elas peguem.

Nogueira: Um infectologista brasileiro deu uma entrevista para um programa local, dizendo que é mais provável encontrarmos alguma medicação que funciona para outra coisa e que poderia ajudar nos casos de corona. Como você vê isso?

Offit: Em geral, os antivirais não são exatamente medicações milagrosas. Oseltamivir, o inibidor de neuraminidase, talvez evite um dia de sintomas de gripe assumindo que a pessoa não tem outras doenças. Para pessoas imunocomprometidas, que são mais prováveis de excretar o vírus por mais tempo, esses antivirais podem ter valor.

O problema com vírus é que se replicam nas células. Diferente de bactéria, é necessário, de alguma forma, afetar a transcrição ou tradução. Usualmente, já estamos muito atrasados no processo. Quando desenvolvemos sintomas, provavelmente a maior parte da replicação viral já ocorreu. Por isso, os antivirais não fazem uma diferença grande. 

Nogueira: Há uma revisão da Cochrane de 2014[1] que mostra o que você disse que o Tamiflu (oseltamivir) não é uma medicação milagrosa. Então, não podemos esperar que o Tamiflu seja uma medicação incrível para o corona, certo? 

Offit: A noção de cura não está correta para vírus. Podemos tratar meningite e pneumonia bacterianas. Matamos as bactérias e o paciente fica dramaticamente melhor, mas antivirais não funcionam dessa maneira. 

Quando uma pessoa está infectada com o vírus, ele começa a se reproduzir. À medida que o vírus se reproduz, o corpo responde e produz uma resposta imunológica. Esse é o momento que os sintomas surgem. Você desenvolve sintomas dentro da resposta imunológica.  Com a resposta imune, a excreção viral reduz. Provavelmente, a maior excreção viral ocorre um ou dois dias antes dos sintomas. À medida que os sintomas aparecem, a quantidade de excreção viral reduz. Ou seja, o maior dano causado pelo vírus já foi feito antes dos sintomas. Por isso, os antivirais não são tão eficazes.

Nogueira: As mortes causadas pelo coronavírus são principalmente pela pneumonia?

Nos dados que eles mandaram da China, as pessoas morreram diretamente da pneumonia viral ou da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que é chamado de tempestade de citocina - uma reação à pneumonia.

 

Felipe Nogueira é Doutor em ciências médicas pela UERJ, além Mestre e Bacharel em informática pela PUC-Rio. Divulgador da ciência e do pensamento crítico com artigos publicados nas revistas Skeptical Inquirer, Skeptic e no seu blog Ceticismo e Ciência

 

REFERÊNCIA:

1. Jefferson T, Jones  MA, Doshi  P, et al. Cochrane Database of Systematic Reviews 2014, Issue 4. Art. No.: CD008965. DOI: 10.1002/14651858.CD008965.pub4.

Resumo em Português no link: https://www.cochrane.org/pt/CD008965/ARI_inibidores-da-neuraminidase-para-prevenir-e-tratar-influenza-em-adultos-e-criancas-saudaveis

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