Ciclo de palestras apresenta a ciência da ignorância

Artigo
9 ago 2019
Stuart Vyse, durante palestra no IEA da USP
Stuart Vyse, durante palestra no IEA da USP

Nunca antes na história houve tanta informação disponível para a população em geral, basicamente a um clique de distância. No entanto, a maior preocupação atual é com a disseminação de desinformação. Com base nessa premissa, o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e o Instituto Questão de Ciência, em parceria com outros colaboradores, promovem o ciclo de seminários "O que a ignorância tem a nos ensinar?

São sete palestras, entre 8 de agosto e 7 de novembro, com especialistas de diversas áreas como sociologia, psicologia, fact-checking e evolução biológica, que procuram iniciar uma discussão a respeito dos motivos que levam à constituição, permanência e disseminação da ignorância entre a população, e quais seus efeitos.

Por que acreditamos no que acreditamos?

A primeira apresentação do ciclo foi feita pelo cientista comportamental americano Stuart Vyse, editor-colaborador da revista Skeptical Inquirer e autor do livro “Believing in Magic”, um apanhado da ciência existente sobre superstições – de onde vêm, por que se estabelecem, etc. 

Na palestra intitulada "Why People Believe What They Believe" ("Por que as pessoas acreditam no que acreditam?"), o pesquisador abordou o modelo de escolha racional e os fatores que podem levar a que tal mecanismo descambe para um processo não racional de tomada de decisão.

Segundo o modelo, desejos e crenças deveriam ser independentes; as crenças são influenciadas por informações que vêm do mundo externo; os desejos e as crenças, por sua vez, guiam as ações dos indivíduos: as crenças informam como os desejos podem e devem ser satisfeitos. 

Digamos: a pessoa tem fome e, portanto, desejo de comer alguma coisa; ela tem a crença de que na geladeira há algo para matar a fome. Isso pode motivá-la a ir até a cozinha e abrir a porta do eletrodoméstico. 

Caso a geladeira esteja vazia, a crença "há comida na geladeira" é modificada e uma nova ação pode ser realizada, como pedir entrega ou ir ao mercado. O fato de a crença original "há comida na geladeira" revelar-se errada não torna o processo de decisão que levou o indivíduo até a cozinha irracional: a escolha, afinal, foi feita com base na melhor informação a que a pessoa tinha acesso – até abrir a geladeira.

Porém, o modelo racional, embora seja algo a almejar, não descreve bem inúmeras situações reais: desejos e crenças, por exemplo, não são tão independentes quanto gostaríamos; muitas vezes, o que queremos afeta aquilo em que acreditamos. Há ainda fatores que podem fazer com que, partindo de um conjunto idêntico de informações e compartilhando um mesmo desejo inicial, crenças e ações diferentes surjam. Várias dessas influências foram explicitadas em alguns estudos analisados por Vyse em sua palestra.

Gráfico do Modelo da Escolha Racional
Gráfico do Modelo da Escolha Racional

Um desses fatores são os valores éticos. Um utilitarista ou um consequencialista escolhe ações que trazem benefícios para mais pessoas, ou prejuízos para menos; um principialista analisaria se uma dada ação ou omissão está de acordo com seus princípios éticos, preferindo a escolha que respeite tais princípios, dando menos ênfase às consequências concretas de cada caso específico. 

Um exemplo clássico é o chamado problema do trólei (ou do bonde), em que uma pessoa próxima a uma alavanca que aciona um desvio de trilhos tem que decidir se deixa um bonde sem freios seguir adiante e atropelar várias pessoas, ou ativa a alavanca fazendo com que o bonde atropele um único indivíduo. Parte das pessoas preferirão desviar o bonde ativamente, a fim de salvar o máximo de pessoas possível; mas outra parte considera que usar a alavanca representa homicídio. Isso afeta, por exemplo, crenças a respeito da eutanásia.

Além disso, há experimentos que mostram que o resultado final de uma ação pode levar a diferentes avaliações da intenção original. 

Num exemplo apresentado por Vyse, pessoas julgaram se as ações hipotéticas de um empresário que causa dano ambiental, ou preserva o ambiente – em ambos os casos, de forma involuntária – merecem crítica ou elogio. 

Se o empresário, buscando unicamente o lucro, implementa uma inovação que traz risco de dano ambiental e tal dano acaba ocorrendo, o público tende a avaliar que o dano foi intencional. Já se o mesmo executivo, também buscando unicamente o lucro, implementa uma inovação que tem potencial de trazer um benefício ambiental e esse benefício é observado, o público tenderá a encarar o benefício como mero efeito colateral não-intencional.

E, o que certamente não se constitui em uma grande surpresa, a visão político-ideológica também pode levar a crenças distintas, mesmo quando partimos de um desejo comum e das mesmas informações. Por exemplo, o alinhamento à visão conservadora nos Estados Unidos está associado a uma maior negação do fato do aquecimento global causado por atividades humanas; mesmo que sejam apresentados os estudos que embasam o consenso científico atual.

Outros fatores, relacionados a dimensões da personalidade e ao senso de pertencimento e de identidade grupal, também podem modificar as crenças e ações. O apoio à vacinação obrigatória é reduzido entre os que têm mais excesso de confiança, maior religiosidade e menor nível educacional.

Próximos encontros

22.ago: Lenin Bicudo Bárbara (FFLCH-USP) "Ignorância e Sociedade: Reflexões Filosóficas e Sociológicas sobre a Ignorância".

12.set: Marco Antonio Correa Varella (IP-USP) "As Ignorâncias Humanas na Perspectiva Evolucionista".

24.set: Ronaldo Pilati (IP-UnB) "A Máquina de Crenças e a Ignorância do que É a Ciência".

10.out: Gilmar Lopes (e-farsas) "O Que São Fake News?".

24.out: Wellington Zangari (IP-USP) "Ignorância, Autoengano e Crenças Paranormais: Uma Análise pela Psicologia do Ilusionismo".

07.nov: Paulo Almeida (IQC) "O Brasil e a Ignorância Institucional".

Com exceção da palestra do dia 22 de agosto, que será realizada no auditório da FEA-USP, todas as demais serão realizadas nas dependências do IEA-USP. Sempre a partir das 14h. Para a participação presencial é necessária a inscrição prévia, que pode ser feita por meio de formulário eletrônico disponível no site do evento. Os interessados podem também assistir por meio de transmissão online, sem necessidade de cadastramento.

 

Roberto Takata é formado em Ciências Biológicas pelo IB/USP; especialista em Jornalismo Científico pelo Labjor/Unicamp; colaborador do Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência da UFMG

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