Isolamento físico não precisa ser isolamento social

Artigo
11 abr 2020
Photo by Maksym Kaharlytskyi on Unsplash

 

"If you asked a zookeeper to create a proper enclosure for the species Homo sapiens, she would list at the top of her concerns "obligatorily gregarious", meaning that you do not house a member of the human family in isolation, any more than you house a member of Aptenodutes forsteri (Emperor penguins) in hot desert sand." (John Cacioppo).

 

           

Em seu livro Solidão, John Cacioppo evidencia nossa natureza social com essa curiosa alusão a como seria a descrição da espécie humana em uma jaula no zoológico. Mais curioso é que a alusão, de certa forma, transformou-se em realidade em quase todo o planeta, em função da pandemia do novo coronavírus. Não estamos trancados em jaulas, mas grande parte da humanidade, neste momento, está isolada em suas casas, com um número restrito de outros indivíduos da mesma espécie.

Alguns (os mais idosos) estão ainda mais isolados, em função de se enquadrarem no grupo de maior risco de desenvolver complicações pela COVID-19. Infelizmente, a ciência perdeu o Prof. Cacioppo em março de 2018, e não contamos com seu conhecimento profundo sobre os efeitos da solidão na saúde humana para nos auxiliar neste momento crítico. Mas seus estudos, e de outros pesquisadores, ajudam a nos guiar nesse cenário. Neste artigo, focaremos na relação entre pandemia, confinamento e estresse.

O termo “estresse” é familiar. Utilizamos a palavra no dia-a-dia, em referência àquelas situações em que temos muito trabalho para fazer, ao enfrentamento de desafios novos, de problemas que parecem não ter solução, ou até mesmo quando brigamos com alguém. Do ponto de vista técnico, estresse é uma reação natural do corpo, quando diante de situações de ameaça ou perigo. Em muitas situações, o simples ato de voltar para casa (um ambiente conhecido e seguro) pode ajudar na redução do estresse.

O estresse agudo, relacionado a eventos pontuais e limitados no tempo, é importante, pois nos prepara para responder às demandas e necessidades imediatas. Já em situações prolongadas, o estresse pode se tornar crônico, resultando em fadiga, alterações nos padrões do sono, alterações do humor e impactando, inclusive, nossa capacidade produtiva.

A pandemia que estamos vivenciando é uma ameaça clara: podemos nos contaminar por um novo vírus, para o qual ainda não há vacina nem tratamento eficaz e também, mesmo assintomáticos, contaminar outras pessoas. Essa ameaça, por si só, já é capaz de desencadear respostas de estresse. O combate à ameaça passa por diferentes medidas, sendo uma delas a prevenção do contágio, individual ou em massa, por meio do chamado distanciamento social (que aqui chamaremos de “distanciamento físico”). O que, para muitos, significa ficar confinado em casa. Curiosamente, a medida para controlar a ameaça do vírus (o que, a princípio, deveria reduzir o estresse) também pode desencadear estresse. Como é que ficar em casa, de quarentena, pode gerar estresse?

Quarentena não é estar em casa de férias. Para muitos, o trabalho não foi cancelado, mas transferido para home office. Para outros, o emprego está em perigo, e muitos já perderam seus empregos. Para os que têm filhos, a rotina também foi muito alterada, e as demandas incluem acompanhamento mais intenso das atividades escolares, maior interação e brincadeiras, e mais atenção para eventuais acidentes domésticos. As situações também diferem muito em função de aspectos socioeconômicos, número de pessoas habitando o mesmo espaço, entre outras.

Mas um ponto comum, e que pode ser um fator de desencadeamento de estresse, é o efeito do confinamento nos contatos sociais. O confinamento faz com que os encontros sociais presenciais diminuam (e isso vale também para as crianças, que deixaram de ir à escola) e as consequências podem impactar nosso bem estar, qualidade de vida e até o enfrentamento dos desafios emocionais que a crise nos impõe.

Se um dos problemas é deixar de ter contato com os outros, o outro lado da moeda é ficar confinado com pessoas com as quais mantemos relacionamento abusivo e violento. Nesses casos, morar com alguém deixa de ser animador, e pode culminar em aumento no número de divórcios, como observado na China, elevação dos níveis de agressividade e violência doméstica.

Outro fator que faz do confinamento um potencial desencadeador de estresse é o aumento no tempo dedicado às notícias sobre a pandemia. É quase um Big Brother invertido - estamos trancafiados, mas acompanhando 24 horas o mundo lá fora. E o problema não são simplesmente as notícias, mas a quantidade de informações, vídeos e áudios falsos sobre o assunto. Muitos, inclusive, veiculados pelo próprio presidente da República. Esse monitoramento das notícias em tempo real, e com alta intensidade, pode nos dar a sensação de que a ameaça “está por toda parte”. Com esse panorama, percebemos que o cenário hoje é bastante propício para o estresse. O que fazer, então?

Como já dito, o estresse é uma resposta natural a mudanças como esta que estamos vivendo, e tem como função deixar o organismo alerta para lidar com elas. Não ficar estressado em uma situação como a atual que você talvez não tenha entendido muito bem o que está acontecendo. Logo, não é interessante que nos esquecemos completamente da situação para “nos livrarmos” do estresse, pois ele ajuda a manter a vigilância e a atenção nos cuidados que devemos tomar.

Algo importante nesse momento é fazer o que chamamos de “gerenciamento de expectativas”, ou seja, elaborar mentalmente um cenário realista: analisar qual é a ameaça, qual a razão da quarentena, quanto tempo ela pode durar, entre outros fatores. Para isso, é importante que você esteja em contato com veículos de informações confiáveis.

O contato social é importante para conseguirmos lidar com situações difíceis. Então, como podemos manejar isso, em tempo de isolamento físico? A chave, aqui, é não permitir que esse distanciamento leve à solidão, ou seja, ao sentimento de falta de conexão. Nosso grupo estudou esses efeitos usando uma sala de bate papo virtual.

Os participantes eram colocados para interagir em um chat com mais outras 2 pessoas. No entanto, programamos a sala de maneira que parte dos participantes era incluída nas conversas e outra parte, excluída, isto é, não eram chamados para participar da conversa e não conseguiam saber o que os outros estavam conversando. Essa sala tinha uma duração curta, de aproximadamente 15 minutos. Mesmo assim, o estudo demonstrou que, em relação às pessoas que eram incluídas, as excluídas relatam sentimentos de dor e raiva. Também disseram que suas necessidades básicas de pertencimento, autoestima, controle e de ter a sensação de uma existência com significado estavam sendo mal atendidas.

O estudo nos fala do efeito da inclusão, até mesmo em interações não presenciais! O cenário atual da pandemia não tem duração de apenas 15 minutos, e temos atualmente muitas ferramentas para nos conectarmos socialmente.

Por mais que você não possa ver seus familiares e amigos pessoalmente, você pode usar da tecnologia para manter contato com eles, por meio de uma videoconferência ou até mesmo por um telefonema à moda antiga. É importante ter clareza que um dos aspectos da conexão social é o estabelecimento de pares ou grupos de pessoas em interações simultâneas. Um estudo feito por Wagner e colaboradores mostrou que o simples fato de você acreditar que está vendo trechos de filmes simultaneamente a outra pessoa aumenta a experiência emocional subjetiva, e recruta estruturas cerebrais que, como o estriado ventral e córtex pré-frontal medial, compõem o sistema de recompensa, aumentando o prazer na experiência em comparação a assistir a esses mesmos trechos sozinho.

Em estudo recente de nosso grupo, encontramos resultados similares: a mera presença de alguém ao lado faz com que estímulos positivos sejam percebidos como ainda mais positivos.

Nesse sentido, vale buscar plataformas online que permitem que você jogue à distância, o que além de criar contato com pessoas queridas, pode ser uma fonte de lazer. Algumas plataformas de filmes em streamingcriaram recursos para colocar pessoas assistindo simultaneamente. Além disso, separar um tempo para o lazer com aqueles que estão confinados com você também é importante. Tudo isso aumenta a conexão social.

Como bem colocado pelo bispo sul-africano Desmond Tutu a respeito da filosofia africana Ubuntu, nós não somos humanos sozinhos, nós somos humanos por meio do relacionamento com os outros. Será assim que sairemos dessa crise, juntos, mesmo que virtualmente.

 

Paulo Sérgio Boggio é coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Leticia Yumi Morello é aluna do Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social com bolsa FAPESP

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