Dados da COVID-19 em comunidades tradicionais estão dispersos

InfoVid
2 jun 2020
covid

A pandemia por COVID-19 desenha um cenário complexo para a saúde pública global. No Brasil, dado o panorama de diversidade social, cultural e territorial, o processo de construção de estratégias é ainda mais desafiador. Para qualificar esse processo é necessário um conjunto de informações disponíveis e acessíveis para os atores governamentais e não-governamentais. No caso dos povos e comunidades tradicionais, grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais (vide Decreto nº 6040 de 2007), a pluralidade dos atores, direta e indiretamente envolvidos no combate a esse vírus, demanda informações de qualidade. Quais são as informações demandadas? Quais estão disponíveis? Onde elas podem ser acessadas?

Para responder essas questões, há múltiplos caminhos para serem seguidos. Pode-se mergulhar nas demandas do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), e nas informações e parcerias necessárias para atender ao maior número de comunidades com cestas básicas e kits de higiene nos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins. E também nas redes de solidariedade construídas através do Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT/OTSS), que estão reforçando as ações nas áreas de segurança alimentar e economia solidária para garantir o abastecimento de diversas comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras na região da Bocaina, englobando a faixa litorânea de São Paulo e Rio de Janeiro. Em termos práticos, há, no mínimo, 28 caminhos possíveis, considerando-se as 28 categorias de povos e comunidades tradicionais representadas pelo Conselho Nacional (vide Decreto nº 8750 ), aos que se pode agregar a geografia e a situação específica de cada comunidade. Além desses, há movimentos sociais, associações de moradores e associações de bairros que estão na linha de frente do combate à pandemia e que poderiam ser englobados na análise.

No caso da vigilância em saúde, há uma série de informações disponíveis, focando no monitoramento de casos que estão dando visibilidade para algumas categorias de povos e comunidades tradicionais. No âmbito do Ministério da Saúde, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) monitora os casos nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Englobando tanto os dados da SESAI quanto os dados das Organizações Indígenas Regionais, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) monitora e atualiza os casos – até o dia 27 de maio 71 povos tinha sido atingidos pela COVID-19, com um total de 1.350 indígenas contaminados.

No caso dos quilombos, não há acompanhamento oficial por atores governamentais e quem assume o protagonismo no levantamento de informações é a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). Dados da Coordenação Nacional apontam para 176 quilombolas com teste positivo para a doença e, segundo a organização, Amapá, Pará e Pernambuco são os estados mais afetados. Englobando as populações indígenas e quilombolas, o Instituto Socioambiental (ISA) está promovendo uma plataforma online que permite a visualização em formato de mapas com dados de casos, óbitos, hospitais com UTI e áreas de risco. Já no caso dos pescadores e pescadoras artesanais, o Grupo Observatório dos Impactos do Coronavírus nas Comunidades Pesqueiras tem coletado e disponibilizado os dados do avanço da pandemia nessas comunidades. São divulgados boletins diários, semanais e mensais dos casos suspeitos, confirmados e óbitos, com informações relativas às localizações das comunidades. 

Ainda que este seja um mapeamento preliminar não há iniciativas por parte do poder público, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, de monitoramento unificado dos casos nos territórios tradicionais. Infelizmente, se a subnotificação é problemática para estados e municípios, para essas comunidades, dado o histórico de invisibilidade e o desmonte da governança ambiental e uso da terra, é ainda mais alarmante. Em carta, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), enfatizando o “perfil de extrema desigualdade racial existente no Brasil”, destacou três solicitações para o Ministério da Saúde: divulgação de dados desagregados por raça/cor em todos os documentos oficiais (painéis de monitoramento, boletins epidemiológicos e notas técnicas), nas fichas de notificação de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave e de COVID-19 e nas fichas de hospitalizações dos casos de COVID-19.

A Abrasco enfatiza que essas informações são de extrema importância para o planejamento das medidas governamentais, assim como para a realização de pesquisas contextualizadas nas diversas realidades. Nesse âmbito, os dados de localização das comunidades, assim como informações relativas à identificação das categorias tradicionais, são também urgentes.

Diversos atores estão combatendo a pandemia em um contexto extremamente adverso: movimentos sociais, associações de bairros e de moradores, universidades e institutos de pesquisa, organizações não-governamentais e órgãos governamentais. Essas diversas redes de produção de conhecimento cumprem um papel fundamental, com medidas de políticas locais e regionais, construção de plataformas de dados, construção de guias e cartilhas informativas e fortalecimento de campanhas de atendimento emergencial - aqui uma discreta biblioteca com algumas dessas iniciativas, sem pretensão de esgotar o mapeamento e debate sobre o tema.

 

Leda Gitahy é professora do Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é colaboradora da Rede Infovid.

Lara Ramos Monteiro Silva é estudante de mestrado do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é colaboradora da Rede Infovid, com foco no mapeamento de medidas voltadas aos Territórios Tradicionais.

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