“Homens de Preto”, “Mulheres de Branco” e a origem de um mito moderno

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8 out 2020
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FATE

 

Os “Homens de Preto” são um dos mitos urbanos mais populares da ufologia. Um enredo recorrente em muitas histórias de OVNIs onde o investigador não pode prover a prova final e irrefutável da existência das supostas naves extraterrestres, devido às supostas censura e ameaças de três personagens vestidos de negro.

Em uma versão do mito, os Men in Black são agentes secretos do governo dos Estados Unidos. Sua finalidade é silenciar as testemunhas e os investigadores que têm evidências irrefutáveis da existência de naves extraterrestres. Protegidos por credenciais diplomáticas que lhes permitem atuar à margem da lei em qualquer parte do mundo, e com acesso a informações privadas das vítimas, censuram e destroem as evidências que denunciariam  a grande conspiração. Mas, além do mito, onde e como surgiu a lenda dos Homens de Preto?

Provavelmente os leitores ais jovens pensarão que a origem da franquia cinematográfica “Homens de Preto” vem dos quadrinhos norte-americanos The Men in Black de 1990. Mas há que se remeter a quase 40 anos antes, até 1953 em Bridgeport, Connecticut, Estados Unidos, para rastrear a origem desta lenda urbana.

Tudo começou quando um jovem fã de ficção científica, chamado Albert K. Bender, dissolveu seu grupo de investigação de óvnis obrigado por uma “autoridade superior” que havia enviado três homens vestidos com trajes escuros e chapéus-coco para ameaçá-lo.

Adolescente fã de ficção científica

Albert K. Bender
Albert K. Bender

Bender nasceu em Duryea, Pensilvânia. Depois do divórcio de seus pais, foi com a mãe para o povoado de West Pittstown, onde cursaria o ensino médio e seria vice-presidente júnior da American Youth League de baseball. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi convocado pelo Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (N.E.: precursor da Força Aérea dos EUA), onde atuou como técnico dental em Langley, Virginia, e editou um periódico para o Exército americano. Em 1943 se mudou para Bridgeport para viver na casa de seu padastro. Nada mais se sabe sobre sua mãe.

Como todos os jovens daquela época, se sentiu atraído pelos pasquins e revistas pulp de ficção científica. Da mesma forma, gostava de colecionar moedas, assim como fazer amigos por correspondência e colecionar terra enviada por seus contatos que viviam no exterior.

Bender  também era um assíduo leitor de revistas de terror e mistério. Apareceu várias vezes nos jornais de sua cidade por uma razão: havia convertido o sótão de sua casa no que ele mesmo chamou de “câmara dos horrores”. Neste lugar tinha diversas pinturas de demônios e caveiras, lobisomens e fantasmas. Mais parecia uma decoração kitsch de uma casa para o Halloween.

Chegam os discos voadores

Em paralelo à vida de Bender, em 24 de junho de 1947 ocorreu um evento relevante. Um piloto e vendedor de equipamentos contra incêndios chamado Kenneth Arnold, viu os primeiros “discos voadores”. Esse avistamento deu origem ao interesse por óvnis.

Kenneth Arnold
Kenneth Arnold

Como resposta publicitária a este incidente, várias revistas de ficção científica embarcaram na tendência e começaram a publicar notas sobre estas “naves”, sendo Raymond A. Palmer – editor da revista americana Amazing Stories – quem mais impulsionou esta moda.

Palmer havia levado a Amazing Stories ao sucesso quando começou a publicar os contos escritos por um operário chamado Richard Sharpe Shaver, que dizia escutar vozes nos zumbidos de sua soldadora. A supostas vozes eram de seres extraterrestres – os Deros, ou Detrimental Robts (“Robôs Danosos”, em tradução livre) –, entidades malignas que viviam em cavernas subterrâneas. Segundo Shaver – o autor dos contos –, todos os males que a Humanidade sofre (o câncer, as guerras, os políticos) se devem aos jogos mentais dos Deros.

Ainda que Shaver tivesse sido hospitalizado por problemas psiquiátricos em  1934, Palmer acreditou e publicou suas histórias como “verdadeiras”. Para o editor de Amazing Stories, a chegada dos discos voadores – relatados por Kenneth Arnold – demonstrava que Shaver dizia a verdade. Foi então que o editor lançou uma nova revista, Fate (“Destino”, também em tradução livre). Com o objetivo de publicar casos de discos voadores, contratou Arnold para investigá-los, convertendo-se não só no primeiro a vê-los como o primeiro ufólogo a dedicar-se a sua investigação.

Da ficção científica para a Space Review

Capa da revista Amazing Stories
Revista Amazing Stories 

Como mencionamos no início do artigo, Albert Bender era um jovem interessado por ficção científica, e se sabe que considerava fidedignos os contos de Shaver. Mas quando os discos voadores foram relatados por Arnold, decidiu dedicar-se à investigação de óvnis.

Com esta iniciativa, colocou anúncios nas revistas de Palmer (Other Worlds e Mystic) para divulgar a criação de seu grupo: o International Flying Saucer Bureau (“Escritório Internacional de Discos Voadores”, em tradução livre ) – fundado em 15 de janeiro de 1952. Também aproveitou seu antigo hobby de buscar amigos por correspondência para estabelecer contato com pessoas com crenças afins na Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia. Até o editor da revista Fate, Palmer (que aparecia com o pseudônimo de Robert N. Webster), se juntou ao IFSB para dar-lhe apoio financeiro.

O IFSB se converteu em um dos primeiros clubes de óvnis. De fato, se tornou um dos mais bem-sucedidos de sua época e chegou a congregar cerca de 600 membros. Para manter a comunicação entre seus integrantes, Bender começou a publicar uma revista intitulada Space Review. Só foram publicadas oito edições – de outubro de 1952 até agosto de 1954 –, mas as últimas três não traziam informações sobre óvnis.

De ufólogos e de contatos

Muitos jovens interessados no tema se juntaram ao IFSB. Entre eles estavam figuras que logo teriam certo reconhecimento no âmbito dos ovnis: Dominic Lucchesi, desenhista que faria várias das capas dos fanzines da época, e Augustus C. Roberts, que tiraria centenas de fotografias de supostos discos voadores. Mas o mais conhecido foi o editor de revistas e de livros de óvnis Gray Barker, que chegaria a ser o chefe do Departamento de Investigação do IFSB. Sua apuração sobre o caso do “Monstro de Flatwoods” apareceu na revista Fate.

Revista Fate
Revista Fate

Pessoas de diversas partes do mundo aceitaram o convite de  Bender para integrar seu grupo. Na Austrália seria fundado o Australian Flying Saucer Bureau, a cargo de Edgard Jarrold; na Nova Zelândia surgiria o Civilian Saucer Investigation, dirigido por Harold H. Fulton; e na Inglaterra Dennis P. Plunket fundaria o Flying Saucer Club, entre cujos membros estava Harold Colbey, irmão de Betty Rose, que se tornaria esposa de Bender.

Durante os primeiros anos do IFSB tudo ia como “sopa no mel”, com o apoio de Palmer e os novos inscritos. Bender então publicou uma pequena nota no número de abril de 1953 que levantou expectativas. Dizia que, na que seria sua próxima edição em julho, tornaria pública “uma surpreendente revelação de nosso presidente”. Mas no número do mês não apareceu nada, e foi só em outubro que se publicaram duas novas notas que traduzimos a seguir:

“BOLETIM TARDIO

Uma fonte que o IFSB considera muito confiável nos informou que a investigação do mistério e a solução dos casos de discos voadores está chegando a suas etapas finais. A mesma fonte à qual enviamos os dados  que tínhamos em nossa posse sugeriu que não era o método e o momento adequados para publicar estes dados na Space Review.

DECLARAÇÃO DE IMPORTÂNCIA

O mistério dos discos voadores já não é um mistério. A fonte já é conhecida, mas qualquer informação sobre isto está sendo retida por ordens de uma fonte superior. Gostaríamos de imprimir a história completa na Space Review, mas devido à natureza da informação, lamentamos que nos foi aconselhado o contrário. Aconselhamos aos que participam no trabalho de (investigações sobre) discos (voadores) para que sejam muito cautelosos”.

Tempos depois, Gray Barker publicaria seu livro They Knew Too Much about Flying Saucers, onde explicava que os fechamentos do IFSB e de sua revista se deviam a uma abordagem de Bender por três misteriosos homens de preto que o haviam obrigado a se calar.

Space Review
Space Review

Bender publicou sua versão da história em um livro editado por Gray Barker chamado Flying Saucers and the Three Men, no qual explica que, além de seus encontros com os Homens de Preto, teve um encontro com três mulheres de branco – antíteses dos malvados Men in Black –, que o levariam a seu planeta a bordo de um disco voador. As implicações desta história podem dar muito material de estudo para psicólogos.

De amor e dinheiro

O incidente do fechamento do IFSB ocorreu justo quando Palmer havia retirado seu apoio financeiro para a organização. Simultaneamente, Bender pediria Betty Rose em casamento.

A ufóloga e diretora da Aerial Phenomena Research Organization (APRO), Coral Lorenzen – que fora integrante IFSB –, disse que o fechamento se deveu à falta de recursos, razão pela qual Bender criou uma história macabra de homens de preto para deixar de perder dinheiro. O certo é que Bender pediu desculpas a seus assinantes e ofereceu devolver seu dinheiro ou continuar com as entregas de seu novo boletim reformado (com muito menos páginas) até que terminasse sua assinatura.

James Moseley, outro dos principais ufólogos da época, conheceu Bender uns meses depois de seu encontro com os três homens. Para ele, Bender era “um operário de fábrica excêntrico”, “obviamente neurótico”, “um pequeno homem nervoso e introvertido com cabelo preto e óculos com armação de chifres”. Para Moseley, a história dos Men in Black nunca aconteceu:

“Insisti que era muito mais provável que Bender inventara todo o caso como uma desculpa dramática para se retirar dos jogo dos discos (voadores), por qualquer razão pessoal que fosse”.

Gray Barker
Gray Barker

Finalmente, Jerome Clark diria que, muitos anos depois, Bender ficou surpreso que as pessoas todavia continuassem interessadas no caso dos Men in Black. O que, por acaso, não se ajusta muito à ideia de que Bender “realmente teria adquirido o que pretendia ser: segredos que abalariam o mundo”.

Poderíamos dizer que Albert K. Bender foi um jovem fá de revistas de ficção científica e terror que queria assustar-se e finalmente conseguiu. Criou um mundo de espanto com agentes misteriosos que perseguem testemunhas e  investigadores de ovnis. Foi um jovem que finalmente deixou todo este mundo para se dedicar a ser um marido responsável e dirigir um motel na Carolina do Norte e a Max Steiner Music Society. Um final muito longe do fascinante mundo dos ovnis.

Luis Ruiz Noguez é membro fundador da Sociedade Mexicana para a Investigação Cética, coeditor da revista Perspectivas Ufológicas e colaborador de várias revistas de óvnis. Publica o blog Marcianitos Verdes e publicou vários livros sobre óvnis e extraterrestres. Este artigo foi publicado originalmente na Revista Pensar

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