Nos EUA, restrição ao aborto prejudica atenção à saúde da mulher

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13 fev 2024
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gravidez

A corrida nos estados conservadores dos EUA para proibir o aborto, após a reversão de Roe v. Wade, a decisão histórica da Suprema Corte do país que declarava o aborto um direito da mulher, está trazendo uma consequência inesperada que os oponentes do aborto talvez não tenham imaginado: menos serviços médicos disponíveis para todas as mulheres que vivem nesses estados.

Os médicos estão mostrando — por meio de palavras e ações — que se sentem desconfortáveis em exercer a profissão em lugares onde tomar a melhor decisão para a saúde da paciente pode resultar em multas enormes ou, até mesmo, em tempo de cadeia. E quando as clínicas que fazem abortos fecham as portas, todos os outros serviços oferecidos lá também desaparecem, incluindo exames de rotina, testes para câncer de mama e contracepção.

A preocupação com as repercussões na saúde das mulheres vem sendo levantada não apenas pelos defensores do direito ao aborto. Um alerta recente vem de Jerome Adams, que atuou como cirurgião-geral (cargo semelhante ao de ministro da Saúde) no governo Trump.

Em um fio de tweets de abril, Adams escreveu que “o preço de uma abordagem de restrição ao acesso (e criminalização dos médicos) para diminuir os abortos pode acabar sendo que você realmente torna a gravidez menos segura para todas, e aumenta a mortalidade infantil e materna”.

Um sintoma inicial da iminente “fuga de cérebros” médicos veio em fevereiro, quando 76% dos entrevistados em uma pesquisa com mais de 2.000 médicos e estudantes de medicina disseram que nem se candidatariam para trabalhar ou estudar em estados com restrições ao aborto. “Em outras palavras”, escreveram os autores do estudo em um artigo , “muitos candidatos qualificados nem sequer considerariam mais a hipótese de trabalhar ou estudar em mais da metade dos estados dos EUA”.

De fato, os estados com proibições de aborto viram um declínio maior no número de estudantes de medicina que se candidatou à residência em 2023, em comparação com os estados sem proibições, de acordo com um estudo da Associação de Faculdades Médicas Americanas. Embora os pedidos de residência em OB-GYN (obstetrícia e ginecologia) tenham caído em todo o país, a diminuição nos estados com proibições completas de aborto foi mais do que duas vezes maior do que naqueles sem restrições (10,5% vs. 5,2%).

Isso significa que menos médicos disponíveis para procedimentos preventivos essenciais, como exames de Papanicolau, e exames para doenças sexualmente transmissíveis, que podem levar à infertilidade.

A atenção à saúde da gestante está especialmente em risco, já que os hospitais nas áreas rurais fecham suas maternidades porque não conseguem encontrar profissionais suficientes - um problema que existia antes da decisão sobre o aborto, mas só piorou desde então.

Em março, o Bonner General Health, único hospital em Sandpoint, Idaho, anunciou que interromperia seus serviços de parto, em parte por causa do “clima legal e político de Idaho”, incluindo legisladores estaduais que continuam a “introduzir e aprovar projetos de lei que criminalizam os médicos por realizar procedimentos reconhecidos nacionalmente como atendimento padrão”.

Informes chocantes vindos de todo o país mostram que as proibições do aborto também põem em risco a saúde de algumas pacientes que sofrem aborto espontâneo gestações inviáveis. No início deste ano, uma mulher grávida com um feto inviável em Oklahoma foi instruída a esperar no estacionamento até piorar mais, depois de ser informada de que os médicos “não podem tocá-la, a menos que você esteja desmoronando na nossa frente”.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Nova York-Buffalo publicado na revista Women's Health Issues descobriu que os médicos que atuam em estados com políticas restritivas de aborto são menos propensos do que aqueles em estados com políticas de apoio ao aborto a terem sido treinados nos procedimentos de aborto precoce que são usados em casos de aborto espontâneo no início da gravidez.

Mas é mais do que a falta de médicos que pode complicar gestações e nascimentos. Os estados com as maiores restrições ao aborto também são os menos propensos a oferecer serviços de apoio para mães e bebês de baixa renda. Mesmo antes da reversão de Roe, um relatório do Commonwealth Fund, um grupo de pesquisa apartidário, descobriu que as taxas de mortalidade materna em estados com restrições ou proibições de aborto eram 62% maiores do que em estados onde o aborto estava mais prontamente disponível.

As mulheres que sabem que suas gestações podem se tornar de alto risco estão pensando duas vezes antes de engravidar, ou de engravidar em estados com restrições ao aborto. Carmen Broesder, uma mulher de Idaho que narrou suas dificuldades em tratar de um aborto espontâneo em uma série de vídeos virais no TikTok, disse à ABC News que não planeja tentar engravidar novamente.

“Por que eu iria querer passar pela minha filha quase perdendo a mãe, outra vez, para ter mais um filho?” ela disse. “Isso parece egoísta e errado.”

No passado, o movimento antiaborto pareceu mais sensível ao argumento de que suas políticas negligenciam as necessidades de mulheres e crianças, uma acusação feita de modo enfático pelo ex-deputado Barney Frank (D-Mass.), que disse: “Os conservadores acreditam que, do ponto de vista do governo federal, a vida começa na concepção e termina no nascimento”.

Na verdade, um ícone do movimento antiaborto — o deputado Henry Hyde (R-Ill.), que morreu em 2007 — fez questão de fazer parceria com o deputado liberal Henry Waxman (D-Calif.) na legislação para expandir a cobertura do Medicaid e fornecer mais benefícios para lidar com a mortalidade infantil, no final da década de 1980.

Poucos grupos antiaborto agora seguem esse exemplo, promovendo políticas para tornar mais fácil para as pessoas engravidar, dar à luz e criar filhos. A maior parte desses esforços voa abaixo do radar.

Este ano, a Americans United for Life e a Democrats for Life of America publicaram um documento de posição conjunto pedindo políticas públicas para “tornar o nascimento gratuito”. Entre suas sugestões estão a cobertura de seguro automática, sem franquias ou copagamentos, para gravidez e parto; eliminação de incentivos de pagamento para cesarianas e partos hospitalares; e um “estipêndio materno mensal” para os dois primeiros anos de vida da criança.

“Tornar o parto gratuito para mães americanas pode e deve ser um unificador nacional em um tempo particularmente dividido”, diz o documento. Tal política não só poderia facilitar às mulheres começar suas famílias, mas tratar o histórico sombrio do país na questão da mortalidade materna.

Em um ano em que os mesmos legisladores republicanos que estão apoiando uma proibição nacional do aborto pressionam de modo ainda mais veemente por grandes cortes no orçamento federal, no entanto, parece improvável que uma política de nascimentos gratuitos avance muito, ou rapidamente.

Isso deixa os oponentes do aborto em uma encruzilhada: eles seguirão o exemplo de Hyde e defenderão políticas que expandem e protegem o acesso à saúde? Ou a saúde das mulheres sofrerá com a vitória do movimento antiaborto?

Artigo publicado originalmente em KFF Health News.

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