Existe mesmo um buraco negro "visível a olho nu"?

Questionador questionado
12 mai 2020
buraco negro, desenho da Nasa

No início de maio de 2020 foi anunciada a descoberta do buraco negro mais próximo da Terra já encontrado, em artigo publicado na revista científica Astronomy & Astrophysics aqui. Como astronomia é um tema que desperta a curiosidade do público, esse fato não passou despercebido pela mídia: matérias de divulgação científica informaram sobre o achado (veja aqui e aqui, por exemplo).

Ao longo dos dias, recebi mensagens de conhecidos, leigos em astrofísica, querendo orientações para poder ver o tal buraco negro. Como assim? – me perguntei. Ao investigar, percebi que muitos que leem as notícias encontram nelas uma referência à possibilidade de observar o sistema a olho nu. Mas será que isso significa que podemos ver também o buraco negro? Afinal, encontramos mesmo um buraco negro visível a olho nu? Para começar, é preciso entender o que é um buraco negro.

Muita gente olha para cima e contempla o céu noturno ao longo da vida, mas não consegue perceber as grandes mudanças que acontecem lá. Os mais atentos, eventualmente, conseguirão encontrar ocorrências curiosas, como conjuntos de estrelas que só são visíveis em determinadas épocas do ano, a existência de noites sem Lua e o fato de os planetas seguirem padrões de movimento que não são os mesmos das estrelas. Fora isso, quando o foco da nossa atenção são as estrelas, parece que elas estão sempre lá: aparecendo sempre no mesmo padrão e com o mesmo brilho, ano após ano...

Embora a intuição possa sugerir que as estrelas são imutáveis, essa noção não é correta. A partir de estudos astrofísicos que observam grandes populações de estrelas, em diferentes partes do céu, e a diferentes distâncias da Terra – grande parte delas, invisíveis a olho nu –, hoje se sabe que as estrelas evoluem, passando por diferentes estágios. A nossa dificuldade para perceber isso é bastante compreensível, uma vez que, quando nos referimos à vida das estrelas, a escala de tempo não é mais de anos e décadas, mas de milhões e bilhões de anos – daí a necessidade de se estudar diferentes estrelas, em diferentes estágios, para construir o quadro completo da evolução estelar.

As estrelas são grandes bolas de gás a altas temperaturas. No seu interior, elementos químicos leves se fundem devido às altas pressões e temperaturas, formando elementos mais pesados. Esse processo libera energia da estrela para o espaço, fazendo-a brilhar, e ainda gera uma pressão que tende a fazer com que o astro se expanda. A pressão de expansão é a responsável por equilibrar a tendência de contração da estrela, causada pela força da gravidade. Assim, o astro permanece brilhando e fundindo seu combustível nuclear, principalmente hidrogênio, por milhões ou bilhões de anos, a depender da sua massa.

Mas isso é só o começo da história... O final do processo vai depender da massa inicial da estrela. Estrelas de massas menores (entre 0,5 e 4 massas solares, aproximadamente) encerrarão suas vidas como anãs brancas, expelindo suas camadas externas de gás para o meio interestelar, no que se chama de nebulosa planetária. Já estrelas de maiores massas (5 a 10 massas solares, ou mais) terminam sua vida “normal” em uma explosão astronômica, em todos os sentidos da palavra, chamada supernova. Dessa forma, a estrela pode brilhar tanto quanto uma galáxia inteira por um período de várias semanas. O caroço remanescente dessa explosão pode ser ou uma estrela de nêutrons ou um buraco negro, este último para estrelas com massa inicial maior que 30 a 40 massas solares.

Não é nossa intenção entrar em todos os detalhes da evolução estelar (quem quiser saber mais, pode ler aqui, aqui e aqui), mas esse cenário é necessário para entendermos o contexto do surgimento dos buracos negros: eles são o caroço remanescente da explosão do fim da vida das estrelas muito massivas. O Sol, para ter uma ideia, tem uma massa aproximada 300 mil vezes maior que a da Terra e um diâmetro de cerca de 1 milhão e 300 mil quilômetros (cerca de 100 vezes maior que o diâmetro do nosso planeta). Os buracos negros, por sua vez, têm massas maiores (às vezes muito maiores!!) que 3 a 5 vezes a massa do Sol, e um diâmetro indeterminadamente pequeno, menor que uma dezena de quilômetros.

Esses objetos são tão densos que até mesmo as leis da física conhecidas atualmente não são capazes de descrever corretamente o que acontece no seu interior. Assim sendo, entender o que acontece dentro de um buraco negro se mantém como um dos desafios da astrofísica atual. Mas já sabemos que o campo gravitacional gerado por esses corpos, nas suas proximidades, é tão intenso que nem mesmo a luz consegue escapar deles – e daí vem o nome que os batizamos: “buracos negros”. Em outras palavras, eles não emitem luz própria e não podem ser observados diretamente. Então de onde veio essa confusão de poder observá-los a olho nu?

A resposta dessa pergunta passa por entender as formas que temos para identificar a presença de buracos negros no Universo, já que eles não emitem luz do seu interior (talvez emitam o que se chama Radiação Hawking, mas não entraremos nesta questão aqui). Uma possibilidade está na busca pelos efeitos de distorção luminosa que eles geram na luz que passa no seu entorno (o que se chama efeito de lentes gravitacionais, explicado pela Teoria da Relatividade Geral).

Uma segunda possibilidade é estudando a luz emitida não por eles, mas pela matéria acelerada no entorno de um buraco negro enquanto cai no seu interior (luz emitida pelos discos de acreção dos buracos negros). E ainda uma terceira possibilidade é analisar o padrão de comportamento de sistemas de estrelas, pois o movimento delas vai depender da massa dos corpos envolvidos na interação e, com isso, é possível saber se existem “objetos muito massivos não visíveis” (buracos negros) no sistema.

Com base nessa terceira possibilidade de análise, hoje se sabe que a maioria das galáxias tem buracos negros muito massivos em seus centros. A nossa galáxia, Via Láctea tem um buraco negro central com massa estimada em 4 milhões de vezes a do Sol.

Na descoberta anunciada agora, os cientistas basearam-se nessa mesma metodologia: analisaram o padrão de movimento de um sistema estelar duplo (conhecido por HR6819) e perceberam que deve haver um terceiro corpo interagindo com as estrelas; e que esse astro "invisível" tem cerca de 4 massas solares e não emite luz. Logo, encontraram um buraco negro. Para este sistema, o que é visível a olho nu não é o buraco negro, mas sim o efeito combinado da luz emitida pelas duas estrelas regulares que o compõem (de fato, elas aparecem a olho nu como sendo uma só, com um brilho levemente maior que o do planeta Urano).

Caso você esteja interessado em observar o sistema, é bom procurar um local bem escuro, com pouca poluição luminosa e céu claro, pois o brilho do sistema é tênue, estando quase no limite da visão humana desassistida. Para saber onde o sistema se encontra no céu em determinado dia e hora, pode procurar pelo código dele em programas que mapeiam o céu, como o Stellarium, de acesso livre.

Embora seja errada a informação de que o buraco negro é, em si, visível a olho nu, isso não torna a descoberta menos relevante e interessante. A importância dela está no fato de que o buraco negro em questão está bem próximo da Terra, a cerca de 1.000 anos-luz de distância (1 “ano-luz” corresponde a cerca de 9 trilhões de quilômetros). Apesar dessa distância parecer enorme, quando se trata do Universo ela é realmente pequena: basta lembrar que o diâmetro da nossa galáxia é cerca de 100 vezes maior, enquanto a distância entre galáxias pode ser tão grande quanto centenas de milhões de anos-luz.

Essa descoberta serve como motivação para que se continue buscando objetos desse tipo por toda Via Láctea, e não apenas no centro de galáxias distantes. Afinal, se buracos negros habitam a vizinhança, será mais fácil estudá-los, e talvez resolver questões  como: o que é que acontece lá dentro?

 

Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia

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