Pandemia aumenta alcance da telemedicina no Brasil

Questão de Fato
17 jul 2020
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Telemedicina, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é “a oferta de serviços ligados aos cuidados com a saúde, nos casos em que a distância é um fator crítico”.  No Brasil, até a eclosão da epidemia de COVID-19, ela só poderia ser usada depois de uma primeira consulta presencial, com um médico. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), uma portaria do Ministério da Saúde e uma lei aprovada no Congresso Nacional aboliram esta exigência, pelo menos enquanto durar a pandemia, e a prática passou a ser mais amplamente usada.

O médico Thiago Constâncio, responsável pela implementação de estratégias digitais no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), acrescenta que, ainda de acordo com a OMS, tais serviços “são providos por profissionais da área de saúde, usando tecnologias de informação e de comunicação para o intercâmbio de informações válidas para diagnósticos, prevenção e tratamento de doenças e a contínua educação de provedores de cuidados com a saúde, assim como para fins de pesquisa e avaliações. O objetivo primeiro é melhorar a saúde das pessoas e de suas comunidades”.

De acordo com Aldo von Wangenheim, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Convergência Digital (INCoD), tecnologias para o uso em larga escala da telemedicina no Brasil já existem há muito tempo, e a maioria das regiões brasileiras tem infraestrutura suficientemente desenvolvida para tanto. “A grande barreira era cultural”, diz.

Ele explica que havia principalmente resistência no meio médico, com dúvidas quanto à eficácia e adequação dos métodos empregados na telemedicina, como também desconhecimento por parte da população, que não exigia serviços deste tipo, nem do Sistema Único de Saúde (SUS) e nem de planos de medicina de privada. “O surto mundial de COVID-19 tornou aguda a necessidade de se disponibilizar serviços de saúde para todo mundo, a todo instante, e em qualquer lugar”, diz. “São as três premissas básicas da telemedicina, e que fazem dela o maior instrumento de acessibilidade aos cuidados e tratamentos. Isso nos possibilitou quebrar essas barreiras culturais”.

O médico Chao Lung Wen, chefe da Disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), diz que a prática, no Brasil, passou os últimos 18 anos (desde 2002) recebendo pouco interesse da comunidade médica. “Ela começou a ganhar alguma evidência por causa da discussão em 2019, em decorrência da Resolução 2.227 do CFM, porém, efetivamente ganhou protagonismo com a pandemia da COVID-19, quando em 60 dias evoluiu o que não tinha se visto, do ponto de vista de regulamentação, em 18 anos”, diz.

Wen diz que nesse período o uso da telemedicina teve um crescimento muito grande. “O que se tem hoje é um importante avanço”, diz. “Mas é preciso ter cautela, pois também surgem serviços digitais sem qualidade e que estão passando a se chamar como tal. Atualmente, o serviço não está bem organizado nem no sistema público (SUS) e nem no privado (saúde suplementar e particular). Tecnicamente, ele pode ser de acesso amplo, assim como o internet banking. Porém, para ter isso no dia a dia, é preciso, antes, um processo da validação”.

A professora titular de Informática em Saúde do Centro de Ciências Médicas e do curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Magdala de Araújo Novaes lembra que, antes do novo coronavírus, a legislação brasileira já previa normas para telessaúde por meio da Resolução CFM nº 1.821/2007, mas com restrições à prática da teleconsulta [quando a comunicação é direta entre médico e paciente], e a Lei nº 13.787/2018, sobre a digitalização de prontuários de pacientes. “A partir da decretação da pandemia da COVID-19, o CFM (Ofício CFM nº 1756/2020-Cojur) e o Ministério da Saúde, por meio da portaria 467/2020 (20/3/2020), autorizaram em caráter excepcional e temporário as ações de telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência decorrente da epidemia. Em seguida, foi sancionada pelo presidente da República a Lei nº 13.989/2020 (15/4/2020), que dispõe sobre o uso da modalidade durante a crise causada pelo coronavírus”.

Magdala, que também é coordenadora do Núcleo de Telessaúde (NUTES) e chefe da Unidade de e-Saúde (Saúde Digital) do Hospital das Clínicas da UFPE, acrescenta que no ano passado houve uma grande discussão sobre uma resolução do CFM sobre telemedicina, a 2.227/2018, e a grande polêmica ocorreu exatamente por conta da liberação da teleconsulta, o que provocou a revogação da medida. “A pandemia da COVID-19, no entanto, possibilitou um novo olhar sobre estas práticas digitais no Brasil”, diz. “A telemedicina precisará ainda ser melhor discutida em todas as suas dimensões, mas é essencial para um país como o nosso, com grande vulnerabilidade social e de saúde, e que exige a implementação de estratégias inteligentes para uma melhor performance do setor, com ampliação da cobertura de serviços e manutenção da qualidade da assistência à população dependente do SUS”.

Para o médico Luiz Roberto de Oliveira, coordenador do Núcleo de Telessaúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), comparativamente com outros países no mundo, o Brasil começou mais tarde e está evoluindo mais lentamente no uso da telemedicina. “A pandemia em curso trouxe à ordem do dia as discussões sobre o tema e isso tem reacendido o interesse, sendo provável que agora se possa avançar nesse tipo de prática que é uma tendência considerada irreversível”, diz.

De acordo com ele, tudo sinaliza nesse sentido, mas o essencial é entender que há alguns pontos básicos a serem observados. “Primeiro, é necessário um grande esforço educacional para profissionais e para usuários”, explica. “Depois, como em qualquer área, o uso das tecnologias de informação e comunicação requer mudança cultural, o que reforça a necessidade de propiciar formação, incluindo aí o desenvolvimento de espírito crítico. Além disso, a conectividade é fundamental e é indispensável dispor de segurança jurídica, ou seja, deve haver aprovação legal para as práticas envolvendo telemedicina, principalmente no momento em que se aguarda a entrada em vigor dos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados já aprovada”.

Segundo Wangenheim, existem vários tipos de telemedicina, dos quais o principal é a assíncrona, que se caracteriza pela oferta de exames médicos à distância. “Equipamentos, antes disponíveis para isso apenas em hospitais, são disponibilizados em postos de saúde ou em pequenas policlínicas e unidades de pronto atendimento (UPAs) do interior, onde são realizados os exames, que são enviados pela internet e são ‘laudados’ por especialistas em hospitais ou grandes cidades”, explica.

Em países de grandes distâncias e de concentração de especialidades médicas nas cidades maiores e no litoral como o Brasil, ele diz que essa é a variedade de telemedicina que tem o maior impacto do ponto de vista de saúde pública, pois evita deslocamento desnecessário de pacientes a grandes cidades, a famosa “ambulancioterapia”, e agiliza a realização de exames de triagem para poder entender para onde que um paciente tem que ser encaminhado.

A grande vantagem da telemedicina assíncrona, de acordo com Wangenheim, é que ela gera uma grande economia e uma otimização do uso de capacidades médicas, pois o especialista vai estar disponível mesmo para os municípios mais remotos e se concentrar em fazer apenas aquilo que ele sabe muito bem, que é prover os laudos para os exames médicos da sua especialidade. “Existe uma variedade de telemedicina assíncrona chamada telessaúde”, explica. “É quando se utiliza a internet para colocar profissionais de saúde em contato uns com os outros, onde um especialista, o médico experiente, apoia colegas generalistas ou profissionais de enfermagem em unidades básicas e responde a dúvidas e orienta no tratamento de casos difíceis”.

Nos últimos tempos, diz Wangenheim, ganhou popularidade a telemedicina síncrona. “É a variedade na qual o paciente e o médico estão em conexão direta e em tempo real, também chamada de teleconsulta”, diz. “Ela é importante para a orientação inicial e realização de triagem de pacientes, quando eles têm sintomas, mas não sabem exatamente para onde devem ir, e também para o acompanhamento daqueles que já tiveram um atendimento presencial e estão realizando o tratamento em casa”.

A teleconsulta tem limitações, principalmente quando se chega num ponto muito comum em toda consulta médica, que é a do exame físico. “Pela webcam ou pela câmera do celular, o que se pode realizar de exames físicos à distância com o paciente é restrito”, explica Wangenheim. “Por isso a teleconsulta é indicada como um exame apenas de triagem, para saber se o paciente tem algum problema evidentemente grave e precisa ser encaminhado para uma emergência ou uma policlínica, ou consultas de acompanhamento para quem já está em tratamento, e não como um exame de diagnóstico”.

A telemedicina em geral tem outras limitações, no entanto. “É preciso saber que existem desvantagens, sim”, diz Constâncio. “Empatia, vínculo e afeto, por exemplo, podem ser impactados sensivelmente se não houver atenção por parte dos profissionais. Outro ponto chave é a segurança da informação trocada, tópico importante neste processo, já que os canais mais populares de contato não costumam ser os mais seguros. Daí a necessidade de investimento institucional em tecnologia segura e validada nos padrões de segurança da informação indicados para tal atividade”.

Oliveira acrescenta que as desvantagens da telemedicina decorrem principalmente da falta de estrutura para a implantação adequada, da dificuldade e escassez de oportunidades para treinamento de profissionais para seu exercício, do desconhecimento da população quanto aos seus benefícios e com desconfiança sobre sua efetividade, dos investimentos necessários com equipamentos e condições de trabalho adequadas, entre outros fatores.

“Há dois elementos fundamentais para superar essas dificuldades e impedimentos”, diz. “São a educação da força de trabalho (inclusive do seu componente clínico - os profissionais de saúde) e planejamento para correta implantação, atendendo a todos os requisitos necessários (de segurança, de conectividade e adequação tecnológica, entre outros)”.  

Evanildo da Silveira é jornalista 

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