A água gira diferente nas pias do hemisfério Norte?

Questionador questionado
14 mar 2019
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Furacão sobre a costa leste dos Estados Unidos
Furacão anti-horário sobre a costa leste dos Estados Unidos

O chuchu costuma ser encarado como um alimento sem graça, que adquire o sabor do demais ingredientes que compõem a receita. Suponha, porém, que um restaurante ofereça um prato que promete revelar todas as sutis nuances do sabor desse vegetal. Você chega, então, ao restaurante e pergunta ao chef como é feito o famoso prato. Ele explica: "Eu refogo muito alho e cebola no azeite e depois acrescento 300 gramas de bacon e cinco linguiças em pedaços. Adiciono depois muito tomate, deixo reduzir e acrescento um chuchu pequeno em pedaços. No final eu coloco esse molho sobre um espaguete com muito queijo parmesão por cima".

Bem, se você acredita que esta receita fictícia permite distinguir o sabor delicado do chuchu talvez você também possa acreditar que é possível visualizar o efeito da força de Coriolis em um daqueles experimentos realizados em regiões próximas à linha do Equador.

A força de Coriolis recebe este nome em homenagem ao matemático e engenheiro mecânico francês Gustave Coriolis, que em 1835 escreveu a respeito no artigo "Sur les équations du mouvement relatif des systèmes de corps". Esta força entra no rol das chamadas forças de inércia. Forças de inércia aparecem em referenciais dotados de aceleração (tecnicamente, “referenciais não-inerciais”). Por exemplo: quando estamos sentados em um carro que freia de modo brusco, somos lançado para a frente; quando o carro faz uma curva, somos empurrados para o lado.

A força de Coriolis aparece quando temos um objeto em movimento dentro de um sistema em rotação - um carrossel, por exemplo. Suponha que você esteja na borda de um carrossel em movimento (para efeitos deste experimento, vamos retirar os cavalos e as crianças). Suponha que você tenha uma bola de basquete nas mãos, e um amigo seu esteja na borda oposta – vocês estão separados pelo diâmetro do carrossel, que se move numa velocidade razoável.

 Se você jogar a bola diretamente para seu amigo, em linha reta, será que ele conseguirá pegá-la? A resposta é: provavelmente, não. A força de Coriolis, que forma um ângulo de 90 graus com a velocidade do objeto em movimento, fará com que a bola – do ponto de vista de um observador girando junto com o carrossel - descreva uma curva e se desvie consideravelmente do seu amigo. A ação dessa força está muito bem ilustrada neste vídeo do MIT, disponível no Youtube.

Existem muitas coisas boas no Youtube, mas também muita besteira. O planeta Terra está em rotação e, portanto, a força de Coriolis também aparece nos objetos em movimento na sua superfície. Essa força depende da velocidade angular de rotação da Terra (aproximadamente uma volta completa em 24 horas), da massa do objeto e da velocidade com que o objeto se desloca sobre o planeta.

O efeito da força pode ser observado nos sentidos de rotação dos furacões: no hemisfério norte eles giram no sentido anti-horário e no sul, no sentido horário. Essa divergência de sentido, decorrente da ação da força de Coriolis - e que se manifesta em grandes massas de ar – não vai aparecer em uma experiência ao ar livre realizada em pequenos volumes de água no interior de uma pia com o ralo aberto, ou de uma bacia furada.

Neste vídeo, um homem, a poucos metros da linha do equador, joga um pouco de água na bacia, espera alguns segundos e mostra que a água, ao descer pelo ralo, gira em sentidos opostos quando se muda de hemisférios (diga-se de passagem que, erroneamente, ele faz com que a água gire no sentido horário no hemisfério norte).

Em 1962, em um artigo publicado na prestigiosa revista científica Nature, Ascher Shapiro mostrou que, para se observar a formação de um vórtice determinado pela força de Coriolis, é necessária uma quantidade considerável de água em um recipiente com simetria cilíndrica, fundo plano, horizontal e um ralo circular localizado no centro. Mas não é só isso.

Nature volume 196, páginas 1080–1081 (1962)
Nature volume 196, páginas 1080–1081 (1962)

Efeitos provenientes de correntes de ar sobre a superfície da água, variações de temperatura no recipiente e o tempo que a água leva para perder a rotação (o “momento angular”, em linguagem técnica) remanescente, que perdura após ela ser despejada na bacia cilíndrica de fundo plano, têm influência muito maior do que a força de Coriolis.

Em outras palavras, a força de Coriolis é o chuchu da receita descrita lá no início: uma bacia com pouca água, em um ambiente aberto e com a espera de apenas alguns segundos não permite, definitivamente, que a força de Coriolis seja isolada de maneira que o seu efeito possa ser visualizado. A água entra no ralo girando em sentido horário ou anti-horário por uma série de razões que predominam e abafam a força de Coriolis da rotação da Terra.

Vira e mexe esse assunto da força de Coriolis aparece quando algum amigo retorna de alguma viagem a uma região próxima à linha do equador. O fato desolador, porém, é que a despeito qualquer explicação científica e bem embasada que se dê algumas pessoas insistem em acreditar no truque realizado na bacia de água: "Ah, mas eu acho que dá para ver sim o efeito da força de Coriolis!".

Opiniões e convicções pessoais, no entanto, não mudam fatos. Definitivamente, não é o gosto do chuchu que você está sentindo; nem a força de Coriolis que está observando. E a resposta para a pergunta no título é: depende da pia, não do hemisfério.

Marcelo Yamashita é doutor em Física, professor do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência

Uma versão um pouco diferente deste artigo foi publicada pela Agência Unesp de Notícias em 2018, e pode ser acessada neste link.

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