Engolir colágeno não vai acabar com as rugas!

Artigo
28 nov 2018
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Vitrine de loja de produtos "de saúde", com estoque de whey protein

Em dezembro de 2013, um artigo foi publicado no periódico americano Annals of Internal Medicine com o sugestivo títuloEnough Is Enough: Stop Wasting Money on Vitamin and Mineral Supplements (em tradução livre,  “Chega: Pare de Gastar Dinheiro com Suplementos de Vitaminas e Minerais". O artigo chamava atenção para o fato de que suplementos de vitaminas e minerais, que geram bilhões de dólares de vendas todo ano, não têm nenhuma eficácia comprovada na prevenção de doenças crônicas e podem até gerar prejuízos à saúde. Apesar desse artigo, com mensagem muito clara, ter sido endossado pelas mais respeitadas associações médicas mundiais, o mercado de suplementos vitamínicos continua a crescer mundialmente.

Mas não é só com suplementos vitamínicos que as pessoas estão gastando dinheiro sem obter nenhum benefício. Tem sido crescente, no mercado, a venda de suplementos estéticos, “nutricosméticos” ou “aliméticos”, produtos em forma de pó, líquido ou cápsula que supostamente melhoram sua aparência. Vamos focar hoje em dois tipos desses suplementos estéticos: o colágeno, sucesso entre as mulheres buscando pele sem rugas, e “whey protein”, popular entre rapazes que buscam ficar mais musculosos.

O colágeno é uma proteína que todos nós produzimos e que dá elasticidade e forma às nossas células, incluindo as da pele. É a proteína mais abundante no corpo humano, sendo essencial para a manutenção de sua estrutura.

À medida que envelhecemos, nossa capacidade de produzir essa proteína diminui um pouco (se diminuísse muito, a gente desmontaria!) e, com isso, causa flacidez e rugas perceptíveis à medida que envelhecemos. Parece fazer sentido, então, pensar que, se fornecermos mais dessa proteína para a pele, poderíamos recuperar o aspecto jovem. Mas, na verdade, isso não é possível – por causa do modo como todas as proteínas, incluindo o colágeno, são metabolizadas pelo organismo humano.

Proteínas são moléculas grandes, compostas por centenas a milhares de aminoácidos, moléculas menores que se unem para formar a estrutura final das proteínas. É como se os aminoácidos fossem pequenos tijolos que, juntos, são capazes de construir um edifício inteiro (a proteína). Temos só 20 tipos de aminoácidos diferentes, mas assim como dá pra fazer muita coisa diferente com tijolos iguais, com esses 20 aminoácidos combinando-se de maneiras diversas, dá para construir as cerca de 20 mil proteínas diferentes que um ser humano contém.

O detalhe importante é que as proteínas precisam ser construídas dentro das nossas células porque, como são moléculas grandes, não podem atravessar as membranas que envolvem cada célula do corpo. Já os aminoácidos são pequenos o suficiente para passar pela membrana e entrar na célula, sendo usados para produzir as proteínas lá dentro.

É como se a célula fosse um canteiro de obras e os aminoácidos, o material de construção. A proteína sempre é feita no canteiro, enquanto o material vem de fora.

A partir daí, já dá pra perceber por que passar um creme contendo colágeno não vai fazer a sua célula ter mais colágeno dentro dela – a proteína, que é grande demais para entrar na célula, só fica espalhada do lado de fora, sem fazer nada pela estrutura da pele. O mesmo é válido no caso de se ingerir colágeno na forma de pó ou cápsulas.

O colágeno ingerido vai ser desmontado pelo aparelho digestivo, e acabar absorvido na forma daqueles 20 aminoácidos que são iguais aos de qualquer outra proteína. Esses aminoácidos  são também as moléculas presentes no tal “colágeno hidrolisado”, que nada mais é do que colágeno pré-digerido. Os aminoácidos, então, serão distribuídos para as células, via corrente sanguínea.

Chegando às células, não existe nenhum carimbo nesses aminoácidos, dizendo que eles só podem ser usados para fabricar colágeno. Na verdade, uma vez “demolida” a estrutura de uma proteína que você comeu, os “tijolos” dos aminoácidos que a compunham podem ser usados para fazer qualquer outra proteína. Se você come proteínas em quantidade suficiente (e, com a possível exceção de veganos muito restritos, a maioria dos brasileiros de classe média come proteínas em quantidade suficiente), você já tem os aminoácidos necessários para produzir todo o colágeno de que precisa.

Como, então, manter a pele o mais saudável possível ao envelhecer? O ideal é evitar atividades que destroem o colágeno da pele, como tomar sol em excesso e fumar, além de manter uma alimentação em quantidade saudável e variada. A vitamina C é importante para sintetizar colágeno, mas você não precisa correr pra farmácia comprar comprimidos dessa vitamina (pare de gastar dinheiro com isso!), só precisa incluir alimentos que a contenham na sua dieta (como frutas, especialmente cítricas).

Cápsulas de colágeno, que são em geral preparadas fervendo ossos, ligamentos e pele de animais após o abate, para retirar essa proteína das células, são apenas uma forma de a indústria ganhar bastante dinheiro com uma promessa falsa, vendendo um produto que antes era apenas comercializado como gelatina (que é composta principalmente de colágeno, e sai bem mais barato do que as cápsulas).

Proteína do leite

Antiga propaganda de programa de bodybuilding americano
O "Skinny" ("magrelo") do anúncio precisa fazer exercícios para ganhar massa muscular

Outro produto que é uma ótima forma da indústria ganhar dinheiro com falsas promessas de mudar sua aparência é o “whey protein”. Whey em inglês significa soro do leite, aquela água um pouco esbranquiçada que sai do iogurte ou do queijo fresco, e que é produzida em grandes quantidades na indústria de lacticínios.

Alguém, um dia, teve a brilhante ideia de concentrar a proteína que sobra no soro do leite (e que até então não era comercializada para uso humano) e vender em forma de suplemento de aminoácidos, prometendo que aumentaria a massa muscular (composta por proteínas que têm esses aminoácidos). Estão cobrando caro por esse ex-dejeto industrial, que atualmente é uma indústria de US$ 4 bilhões anuais, nos EUA. Mas sabe onde tem exatamente os mesmos aminoácidos que tem no pozinho preparado de “whey protein”? Num copo de leite, ou pedaço de queijo, ou pote de iogurte. São todos produtos ricos em proteínas do leite, e muito mais baratos que o suplemento.

Aliás, os mesmos aminoácidos que estão nesses suplementos estão presentes em qualquer produto que contenha proteínas de origem animal, seja carne, frango ou peixe. E estão também presentes em vegetais ricos em proteínas como a soja, ou na boa e velha mistura de arroz com feijão. E, novamente, para a célula não vai fazer diferença de onde o aminoácido veio – não existe carimbo mandando usar aquele aminoácido que veio do whey exclusivamente para fazer proteínas dos músculos.

Mas será que não vale a pena comer mais desses aminoácidos para ver se eles formam mais colágeno ou mais proteína nos músculos? Será que, se tiver um monte de aminoácidos circulando no sangue, eles não vão acabar sendo empurrados pra dentro das células, aumentando a produção dessas proteínas? Infelizmente, não é esse o caso.

Nós, seres humanos, não somos metabolicamente preparados para armazenar aminoácidos em excesso na forma de proteínas. Na verdade, o que geralmente acontece quando você come proteína em excesso é que seu fígado converte os aminoácidos dessa proteína em gorduras. Sim: cápsulas de colágeno engordam (embora sejam pequenas, então não há como engordar muito com elas...), e whey protein engorda, também! Infelizmente, a única maneira de aumentar a sua massa muscular é colocar esses músculos para trabalhar, fazendo exercício.

Sabendo isso, pergunta-se por que esses suplementos ainda são vendidos com promessas que não são metabolicamente capazes de cumprir. O problema é que, ao contrário de medicamentos, que têm que ser comprovadamente eficazes, suplementos podem ser vendidos apenas com a comprovação de que não são demasiadamente tóxicos. Fazem mal? Provavelmente não, a não ser se tomados em excesso (e excesso pode acontecer no caso de uso de whey protein). Mas, certamente, não fazem o que prometem. E custam caro.

Chega! Pare de gastar dinheiro com suplementos estéticos.

NOTA DA AUTORA  (em 30/11)Respondendo às críticas feitas ao artigo via redes sociais, sobre o eventual benefício do whey protein para uma pequena minoria de atletas, que realiza treinamentos e provas de altíssimo desempenho:

1. Podemos concordar que a grande maioria das pessoas que toma whey protein não é atleta de alto desempenho, porque, nesse caso, a indústria criada em torno do produto seria muito menor. Não é aqui, numa plataforma para público geral, que deveríamos ficar discutindo o que é ou não é verdade para uma porcentagem muito pequena da população. Estamos tratando de assuntos para a maior parte da população.

2. Em atletas de alto desempenho, o principal motivo de ganho de massa muscular é o exercício. Comer proteína, em qualquer forma, sem exercício não faz ganhar massa muscular, como o artigo fala. Infelizmente, tem muita gente que não sabe disso, e acha que o suplemento vai fazer ficar musculoso. O artigo esclarece esse ponto.

3. Por fim, o artigo esclarece que a fonte de aminoácidos para produzir proteína não importa para seus efeitos metabólicos. Pode ser whey, ovo, leite, carne, etc. Com essa informação, cada um pode decidir como proceder. É questão de ciência!

 

Alicia Kowaltowski é professora de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo

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