
Imagine alguém que procura ajuda psicológica porque acorda às três da manhã revivendo um erro banal do trabalho e passa o dia inteiro com a cabeça latejando de preocupação. Alguém que sente um aperto no peito sempre que o celular vibra fora do expediente, antecipando cobranças que talvez nem existam. Pode ser um universitário que já cogitou trancar o curso de tanto medo de fracassar, uma mãe que teme conversar com o chefe sobre reduzir a jornada para cuidar do filho doente, ou um rapaz que se recolhe depois de cada discussão, convencido de que é incapaz de manter relacionamentos saudáveis.
Talvez seja uma pessoa que aprendeu que valor se mede em produtividade, amor se conquista por desempenho e pausa é sinônimo de derrota. Talvez seja um rapaz que se tranca no quarto após explodir de raiva e se odeia por não saber agir diferente, ou uma mulher que há anos acredita que ser humilhada é parte do amor. Talvez seja um adolescente que caminha cabisbaixo pelos corredores da escola escondendo cortes nos braços. Quem quer que seja, esse alguém chega à terapia querendo mudar. Não pede milagres nem promessas: só busca uma chance de viver melhor.
Agora, imagine que essa pessoa encontre uma abordagem que não define metas, não mede melhora, não fala em alta e, quando questionada, responde com jargões ininteligíveis. Essa é a proposta da psicanálise como prática clínica: um tratamento sem fim, sustentado por uma teoria que confunde complexidade com obscurantismo e que evita, a todo custo, qualquer compromisso objetivo com resultados. É um modelo que converte sofrimento psíquico em vínculo permanente, transforma a insegurança do paciente em justificativa para nunca ir embora e faz da relação terapêutica um plano de previdência privada. Não há planejamento, critérios ou progresso verificável – apenas a manutenção de um contrato simbólico em que o analista interpreta e o paciente paga.
Essa lógica de indiferença aos resultados, longe de ser erro de profissionais malformados, está inscrita nas próprias orientações fundadoras da psicanálise. Freud, em seu texto Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico, propõe de forma explícita que o analista abandone qualquer desejo de cura, de obtenção de resultados terapêuticos visíveis ou de transformação positiva do paciente. Segundo ele, a postura adequada do psicanalista deve ser fria, opaca e tecnicamente distanciada. Freud alerta que querer o bem do paciente é uma armadilha que compromete análise. Por isso, recomenda que o analista se abstenha de empatia. Essa perspectiva é reforçada por seus discípulos e sucessores.
Sandor Ferenczi, um dos mais próximos colaboradores de Freud, afirmava que “o final adequado de uma análise é aquele em que nem o psicanalista nem o paciente a encerram, mas quando ela morre de exaustão” (Ferenczi, 1927/1955). Setenta anos depois, o respeitado psicanalista Martin Bergmann (1997) destacou que a literatura psicanalítica ainda não oferece um modelo claro para o término do tratamento. Como consequência, os analistas seguem sem diretrizes consistentes sobre como conduzir o encerramento do processo analítico. Mas essa ausência de critérios para a alta não é apenas teórica – ela se reflete diretamente na prática clínica cotidiana.
No artigo “Existe cura em psicanálise? Uma clínica para o intratável”, Tavares et. al – psicanalistas brasileiros – admitem que só é possível falar em cura na psicanálise se o termo for redefinido como uma narrativa subjetiva escrita pelo paciente sobre si mesmo, algo como um romance autobiográfico. Essa manobra conceitual ignora por completo os critérios básicos da área da saúde, como alívio do sofrimento, melhora funcional ou transformação concreta da vida. Em vez de tratar, a psicanálise se contenta em contar histórias. Qual é o efeito prático disso? A cronificação do sofrimento em nome de uma suposta elaboração simbólica.
Não é raro ouvir analistas afirmarem, com surpreendente naturalidade, que a análise “dura a vida toda”, porque “o sujeito está sempre se constituindo”. Tradução: enquanto houver vida, haverá sessão – e cobrança. Considere Mariana, 32 anos, que iniciou psicanálise aos 25 para lidar com ansiedade. Sete anos depois, continua presa à mesma indecisão crônica, insegurança afetiva e instabilidade emocional. Quando questiona se existe meta de progresso ou sentido em continuar, ouve respostas como “a verdade do inconsciente não se submete ao tempo cronológico”, ou “o desejo se constrói a partir da falta; a análise permite habitar essa falta com mais autenticidade”. Mariana não entende, mas segue adiante: se não entendeu, talvez ainda não tenha chegado “lá”.
Essa assimetria, reforçada por linguagem indecifrável e por uma hierarquia em que apenas o terapeuta detém o saber, não só infantiliza o paciente como o aprisiona num ciclo terapêutico sem saída. Se ele expressa dúvida ou frustração, isso já é interpretado como “resistência” – e a resistência, claro, precisa ser analisada. Na próxima sessão.
O que então sustenta a psicanálise? Um discurso – blindado à crítica, intoxicado de obscurantismo conceitual e frequentemente indiferente a resultados clínicos concretos. Quando se questiona a duração interminável da análise, não se recebe uma justificativa baseada em evidências, mas frases de efeito e abstrações simbólicas que conclamam a “continuar cavando”: sempre mais fundo, sempre mais caro. Pior: muitos psicanalistas admitem abertamente que não visam, em primeiro lugar, melhorar a qualidade de vida. Textos da área afirmam que “cura” é conceito estranho à lógica analítica; que o objetivo não é reduzir sintomas nem restaurar funcionalidade, mas “sustentar a fala do sujeito”.
A verdade, embora incômoda, precisa ser dita: uma prática que não prevê alta, rejeita critérios de efetividade, não mede progresso e lucra com a permanência indefinida do paciente não é apenas arcaica – é antiética. É um sistema desenhado para manter o paciente dentro, não para ajudá-lo a sair. Um sistema que se alimenta do sofrimento, convertendo vulnerabilidade em dependência e insegurança em capital simbólico e financeiro.
Sob esse ângulo, a psicanálise não é só uma teoria ultrapassada; é um modelo de negócio. E, como tal, funciona perfeitamente: o paciente paga, o analista interpreta, o tempo passa, a melhora não vem – mas a sessão da próxima semana está garantida. A pergunta não é “quando o paciente terá alta?”, e sim “por que essa alta nunca foi sequer cogitada?”.
Em última instância, a quem interessa esse arranjo? Se um tratamento se define mais pela duração que pelos efeitos, mais pela repetição do sofrimento que pela construção de soluções, mais pela dependência do paciente que por sua autonomia, então é preciso dizer com todas as letras: isso não é cuidado; é exploração.
Se você sofre – ou conhece alguém que sofre – com problemas de saúde mental, é importante saber: existem alternativas. Modelos contemporâneos, baseados em evidências científicas sólidas, acumulam dezenas de milhares de pesquisas que comprovam sua eficácia no tratamento de uma ampla variedade de quadros clínicos.
São modelos que assumem compromissos explícitos com o bem-estar do paciente: definem metas, elaboram plano de intervenção, monitoram o progresso e trabalham com critérios claros para a alta. Porque reconhecem o que a psicanálise sistematicamente ignora: tempo e dinheiro são recursos limitados. Usá-los bem é uma questão de ética.
Jan Leonardi é psicólogo, doutor em psicologia clínica pela USP e diretor acadêmico e científico do Instituto de Psicologia Baseada em Evidências (InPBE). Divulga conteúdo relacionado à psicologia científica em sua conta no Instagram.
REFERÊNCIAS
Bergmann, M. S. (1997). Termination: The Achilles heel of psychoanalytic technique. Psychoanalytic Psychology, 14(2), 163–174.
Ferenczi, S. (1955). The problem of termination of the analysis. In Final contributions to the problems and methods of psychoanalysis (pp. 77–86). London: Hogarth. (Trabalho original publicado em 1927).
Freud, S. (2023). Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico. Em C. Dornbusch (Trad.), Fundamentos da clínica psicanalítica (pp. 75–87). Autêntica. (Trabalho original publicado em 1912)
Tavares, W., Negrete, J. M., & Lazzarini, E. R. (2023). Existe cura em psicanálise? Uma clínica para o intratável. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 39, e39404.