Como os astronautas voltaram da Lua?

Questionador questionado
9 set 2022
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Apollo 16

 

Em 2019, por ocasião dos 50 anos do primeiro pouso tripulado na Lua, com a missão Apollo 11 de 1969, o Instituto Datafolha realizou pesquisa com 2.086 pessoas em 103 cidades do país. Resultado: cerca de 1 em cada 4 brasileiros não acredita que o ser humano pisou na Lua. Somando os que não têm opinião sobre o assunto, o número chega a 30% dos entrevistados.

É um erro, no entanto, afirmar que todos esses brasileiros, digamos, “descrentes”, são negacionistas. Parte deles pode ser simplesmente cética em relação ao fato: negam as viagens tripuladas à Lua apenas por ignorância (e não me refiro ao sentido pejorativo do termo), por consequência de nunca terem sido apresentados às evidências, ou a uma discussão suficientemente aprofundada sobre a ciência e tecnologia por trás do assunto.

O ceticismo é uma postura necessária na ciência. Se abríssemos mão do hábito de exigir boas evidências para sustentar uma tese, poderíamos vir a aceitar a existência de duendes, de fadas e do Papai Noel – e da energia vital e da memória da água, no que se refere às ideias da homeopatia.

Diferente da atitude cética é a negacionista, postura que consiste na rejeição persistente, com base em argumentações cientificamente inválidas – como as que utilizam diversas falácias lógicas, por exemplo –, de afirmações já bem estabelecidas com base em boas evidências. O cético pede para ver as evidências. O negacionista ignora as que não lhe convém.

Dessa forma, cabe aos comunicadores de ciência, sejam cientistas divulgadores ou jornalistas, contribuir para a melhoria do cenário: podemos expor e combater os "argumentos" negacionistas que tentam pôr em xeque as viagens tripuladas à Lua – como já fizemos anteriormente –, e também responder a questionamentos que muitas pessoas trazem à tona por decorrência da mais genuína curiosidade e do desconhecimento sobre os detalhes de um feito tão impressionante.

É isso que faremos agora. Um leitor da Revista Questão de Ciência nos escreveu intrigado não sobre como as viagens tripuladas saíram da Terra em direção à Lua, mas sobre como é possível que elas tenham voltado! A perplexidade é compreensível: o módulo que carrega os astronautas sai do nosso planeta de modo bastante “dramático”, empoleirado sobre grandes foguetes, com múltiplos estágios de aceleração. Ora, esse mesmo aparato não deveria também ser necessário para ejetar o módulo da superfície da Lua?

 

Lutando contra a gravidade

Jogue uma pedra para cima. Quanto maior for a velocidade inicial que você conseguir dar a ela, mais ela sobe antes de começar a cair. Você já parou pra pensar se seria possível arremessá-la com uma velocidade tal que a pedra simplesmente não caísse, seguindo para o espaço? Bem, os físicos já. Essa é a “velocidade de escape”. Basicamente, quanto maior a massa do astro de onde você está tentando lançar a pedra, e quanto mais próximo do centro desse astro você estiver, maior será essa velocidade. Grosso modo, quanto maior a atração gravitacional exercida pelo astro sobre o objeto que desejamos lançar ao espaço, maior a velocidade de escape necessária.

Calculando para a Terra, essa velocidade é cerca de 40 mil km/h. Para Marte, 18 mil km/h e, para a Lua, 8 mil km/h. Importante destacar que esses cálculos estão apontados aqui como uma estimativa para comparação da dificuldade de seguir para o espaço a partir desses astros, uma vez que essas contas foram feitas com algumas simplificações, como, por exemplo, sem considerar os efeitos da resistência do ar (se o astro em questão tiver atmosfera).

 

Foguetes na Lua

A primeira parte da resposta ao nosso leitor é que sim, também precisamos de foguetes para sair da Lua. Mas, veja: a velocidade de escape na superfície lunar é cerca de 1/5 do valor terrestre. E o cálculo da velocidade de escape, como dissemos, nem leva em consideração a resistência do ar. Aqui na Terra, esse é um fator significativo (coloque a mão pra fora em um carro em movimento e perceba você mesmo); na Lua, não há atmosfera, portanto um lançamento de lá não enfrentará nenhuma resistência, para além da gravidade.

O resultado é que o aparato propulsor necessário para deixar a Lua precisa ser bem menos robusto do que os que vemos nos lançamentos aqui da Terra. E isso nos leva à segunda parte da resposta: onde está o foguete que envia o módulo lunar de volta ao espaço?

Acoplado na própria estrutura do módulo! O foguete que deve realizar a impulsão para saída da Lua já vai pronto daqui, sendo posicionado na região central e inferior do módulo onde estão os astronautas (como se mostra neste esquema). E, de modo semelhante aos estágios de aceleração na subida aqui na Terra, em que os foguetes usados vão sendo descartados, isso também acontece no retorno: o foguete do lançamento lunar, depois de cumprir seu papel, se desacopla do módulo, sendo deixado para cair e colidir com a Lua.

Para nossa alegria, existem vídeos que mostram os lançamentos a partir da Lua. Veja, aqui, o lançamento da Apollo 15 e, aqui, o da Apollo 17. Percebe-se claramente que o acionamento do foguete para a saída gera uma ejeção intensa de gases, espalhando detritos e poeira do solo lunar no ambiente. Curiosamente, de todas as bandeiras dos Estados Unidos fixadas na Lua nas seis missões tripuladas entre 1969 e 1972, somente a da Apollo 11, a primeira, não está mais de pé. O motivo: ela foi colocada perto demais do local do pouso, e a ejeção intensa de gases na partida a derrubou.

Outra discussão interessante a que a pergunta do leitor nos remete é a exploração de Marte: um dos grandes problemas a serem resolvidos para enviar uma tripulação humana para o planeta vermelho é o retorno. Marte tem atmosfera e, portanto, oferecerá resistência no lançamento de saída, além de ter muito mais massa do que a Lua, o que torna a velocidade de escape mais difícil de atingir. Então, o aparato necessário para enviar a tripulação de volta ao espaço não pode simplesmente replicar o que se faz para sair da Lua. As agências espaciais ainda estão trabalhando no problema. E, caso queiram manter os astronautas vivos, só terão uma chance de fazer dar certo.

 

Manobras espaciais

Essa ideia de pequenos foguetes acoplados na estrutura do veículo espacial não é uma particularidade apenas das viagens à Lua, mas também aparece em missões que enviam robôs para outros planetas – como uma forma eficaz de executar correções de trajetória e mudanças de órbita, por exemplo – e até para ajuste fino de posição nos momentos finais antes de acoplamentos espaciais, como os que ocorrem com módulos que chegam, por exemplo, à Estação Espacial Internacional, que fica na órbita da Terra.

Lembre-se de que, no espaço, os objetos não estão sujeitos nem ao atrito com o solo, nem à resistência do ar, e é isso que garante que mesmo os pequenos empurrões (quando comparados, claro, aos gerados pelos foguetes usados nos lançamentos terrestres) dos foguetes acoplados ao veículo já sejam suficientes para modificar posição e trajetória.

 

Cinegrafistas na Lua?

Como indiquei dois vídeos que mostram o lançamento de retorno de módulos lunares, é muito útil explorar um comentário negacionista relacionado ao tema: "quem filmou o evento?" – eles costumam questionar; "ou algum astronauta ficou para trás, ou tudo isso não passa de uma armação encenada em um estúdio de Hollywood" – concluem convictos. A realidade: nem uma coisa, nem outra.

Para a surpresa deles, engenheiros e cientistas bolam soluções inteligentes. A câmera que registrou a partida estava no veículo lunar levado na missão, que, este sim, foi deixado para trás, numa distância ideal para que a velocidade com que a câmara, uma vez ativada, iria girar acompanhasse de modo harmônico a ascensão do módulo. O comando para ativar a câmera foi enviado pelo Controle da Missão, na Terra. Isso foi planejado para a missão Apollo 15, mas o sistema de movimento da câmera simplesmente não funcionou. Na Apollo 16, a distância que os astronautas deixaram a câmera não estava correta. Somente na Apollo 17 as coisas funcionaram bem.

Um questionamento bem semelhante aparece quando algumas pessoas assistem ao vídeo do momento em que o astronauta Neil Armstrong desce do módulo lunar para dar os primeiros passos na Lua, na missão Apollo 11: "Ora, se Armstrong foi o primeiro ser humano a pisar na Lua, quem estava lá fora para filmar?". Simples: a câmera estava acoplada na própria estrutura de sustentação do módulo de pouso, e foi ativada antes de Armstrong descer a escada.

 

Para saber mais

Caso você continue interessado no tema, estando disposto a explorar e a aprender mais, deixe-me sugerir algumas leituras: para discutir as características do conhecimento científico, o pensamento cético, a negação do pouso na Lua e várias pseudociências, veja "Armadilhas Camufladas de Ciência: mitos e pseudociências em nossas vidas" (Marcelo G. Schappo, org.); para se aprofundar na temática do negacionismo, suas causas e consequências, sugiro "Contra a Realidade: a negação da ciência, suas causas e consequências" (Natalia Pasternak e Carlos Orsi) e "Negacionismo & Desafios da Ciência" (Carlos Orsi).

[Orsi e Pasternak são, respectivamente, editor-chefe e publisher desta revista]

Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia. É autor de livros de física para o Ensino Superior e de divulgação científica, como o “Armadilhas Camufladas de Ciências: mitos e pseudociências em nossas vidas” (Ed. Autografia)

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