Antivacinas e antiquarentena se encontram no negacionismo científico

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1 mai 2020
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Não é coincidência o fato de os "antivaxxers" americanos e as redes bolsonaristas que seguem o presidente em seu desdém pelas medidas de distanciamento social usarem praticamente os mesmos argumentos – se é que se pode chamar assim – quando se trata do enfrentamento da pandemia de COVID-19.  Ambos os grupos recorrerem às mais variadas teorias conspiratórias – adaptando as já tradicionais à crise de saúde pública atual – ambos são negacionistas da ciência e do alto risco que a infecção do SARS-CoV-2 representa e ambos mostram uma boa dose de paranoia no que se refere a um possível controle governamental sobre suas vidas privadas.

Se por aqui se fala constantemente numa conspiração global, que envolveria jornais, emissoras de TV, milionários internacionais, governadores que estariam inflando número de infectados e de mortos pelo que seria uma “gripezinha” ou “resfriadinho”, por lá a mesmíssima mídia estaria criando pânico com a intenção de, mais tarde, obrigar toda a população a se vacinar.

Lá, esses grupos teimam em dizer que a doença não é grave e pode ser “curada” com vitamina D, alimentação saudável e exposição ao sol, enquanto aqui muitos estocaram hidroxicloroquina depois que o presidente da República resolveu fazer as vezes de garoto-propaganda do produto. De início, Trump fez o mesmo, mas acabou desistindo da promoção diária da hidroxicloroquina em seus pronunciamentos depois que seu assessor de saúde o desmentiu publicamente e a poderosa Food and Drug Administration (FDA) fez um alerta, avisando que a droga só pode ser usada em ambiente hospitalar, por causa dos riscos de efeitos colaterais graves. A favor de Bolsonaro é bom que se diga que, ao contrário do colega americano, não saiu por aí sugerindo que as pessoas injetassem desinfetante para eliminar o vírus. Pelo menos, não ainda.

Para os antivaxx, a proposta de testagem em massa da população americana não passa de uma preparação – alguns insinuam, uma fraude – para tornar a vacinação obrigatória. Por esse raciocínio – sé é que se pode chamar assim – o governo disporia de dados sobre toda população sem anticorpos, a quem obrigaria a se imunizar, assim que uma vacina para o novo coronavírus estiver disponível. Por aqui, foi o próprio governo federal – que insiste em negar a gravidade da crise de saúde pública que o país enfrenta – que recorreu à Justiça questionando a legalidade de monitoramento de aglomerações e deslocamentos de cidadãos por celular.

Da mesma maneira que os antivaxx, as redes bolsonaristas ou negam ou minimizam a COVID-19 mostrando fotos de hospitais vazios (antes da crise, claro), afirmando que só idosos morrem, que crianças podem voltar à escola porque são imunes (o Brasil tem cerca de 65 bebês com a doença e alguns deles morreram, além de várias crianças e adolescentes). Na linha de “a COVID-19 não existe”, as “teorias” – se é que podem ser chamadas assim   – mais delirantes afirmam que os smartphones G5 destroem o sistema imunológico permitindo que a doença apareça (na Grã-Bretanha algumas torres de celulares foram atacadas) ou a de que, na verdade, a COVID-19 não mata, e o que mata são doenças pré-existes, como diabetes, hipertensão, doenças pulmonares crônicas.

Outro ponto em comum nos dois grupos é um dos pilares das “teses” antivaxx, o de que a doença deve seguir seu curso natural para que o organismo desenvolva anticorpos e imunidade. Há muito que os antivacinas afirmam que nada “melhor” do que a exposição à doença para gerar imunidade – omitindo, claro, que muita gente pode morrer, qualquer que seja a doença. Bolsonaro mal disfarça o endosso a essa linha de “raciocínio” quando diz que todos devem voltar ao trabalho e que “muita gente vai morrer de qualquer jeito”.

Também repete à exaustão que pelo menos 70% da população vai ser exposta ao vírus, mesma porcentagem citada pela física com doutorado em química quântica e primeira-ministra alemã Angela Merkel. A Alemanha, com excelente estrutura hospitalar, iniciou isolamento social rapidamente, seguiu a recomendação da OMS de testagem em massa e registra 160 mil casos e 6.300 mortes. Iniciou, há poucos dias, uma cautelosa reabertura e, ao primeiro sinal, de aumento de transmissão, Merkel foi à TV alertando para a necessidade de manutenção dos cuidados. “Na und?” (“E daí?”) não faz parte do vocabulário da primeira-ministra, que contabiliza, ao fim da primeira onda de COVID-19, um número de mortos muito próximo ao número de brasileiros mortos neste início da crise entre nós.

A crise da COVID-19 ainda traz muitas perguntas que só o tempo e muita pesquisa podem responder. Na última semana de abril, a OMS fez um alerta sobre a suposta imunidade que que o paciente desenvolve após se recuperar da doença. Não se sabe se ela é permanente ou se dura um ano ou dois e, na dúvida, muitos especialistas apostam num retorno cíclico do vírus. Também não se sabe se todos os infectados desenvolvem anticorpos suficientes para protegê-los de uma reinfecção.

Alguns estudos iniciais indicam que quanto maior a gravidade do quadro clínico, mais consistente a resposta imune e que, portanto, pacientes assintomáticos ou que manifestaram sintomas leves poderiam se infectar novamente. O tempo e a ciência dirão e, dependendo da resposta, eles podem abalar tanto as crenças profundas dos antivaxx quanto a bolha das redes bolsonaristas.

 

Ruth Helena Bellinghini é jornalista, especializada em ciências e saúde e editora-assistente da Revista Questão de Ciência. Foi bolsista do Marine Biological Lab (Mass., EUA) na área de Embriologia e Knight Fellow (2002-2003) do Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde seguiu programas nas áreas de Genética,  Bioquímica e Câncer, entre outros

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