Carboidratos engordam?

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17 out 2022
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Apesar de ser uma dúvida constante entre leitores de matérias de nutrição ou fitness, a indagação “carboidratos engordam?” é, na verdade, uma pergunta mal formulada.

Resposta curta: depende. É preciso saber quantas calorias totais estão sendo consumidas, quantas estão sendo gastas – pensando na atividade física realizada pelo indivíduo –, quanto de proteína está sendo ingerida – proteína é um macronutriente que “gasta” mais energia do que os demais para ser digerido –, se a pessoa hipotética apresenta alguma enfermidade que possa aumentar o seu gasto calórico etc.

Entretanto, e se perguntássemos “será que a presença de carboidratos, em uma dieta hipocalórica, inibe a perda de peso?” teremos um questionamento muito mais interessante. Mas antes, o que diabos são CARBOIDRATOS?

Antes de prosseguir: as informações relacionadas a definições e classificações foram consultadas nos livros “Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição, 5º edição”, “Biodisponibilidade de nutrientes, 5º edição”, “Modern nutrition Health and Disease” e “Princípios de Bioquímica Lehninguer, 6º edição”

 

Carboidratos

Além de serem as biomoléculas (moléculas presentes nas células dos seres vivos e que participam de processos bioquímicos) mais abundantes na natureza, os carboidratos são macronutrientes – necessários em grandes quantidades para manter as funções do organismo.

Dentre seus efeitos fisiológicos no organismo humano, precisamos destacar seu papel primordial no fornecimento de energia, afetando diretamente a saciedade, a glicemia (taxa de açúcar no sangue), a insulinemia (produção de insulina) e o metabolismo das gorduras. Além disso, sua parte não digerível – as fibras – passa pelo processo de fermentação, influenciando o funcionamento intestinal e a microbiota. Por fim, podemos destacar que eles também atuam na lubrificação das articulações – essa era a hipótese por trás da utilização do suplemento de glucosamina, sobre a qual o IQC já escreveu a respeito.

Os carboidratos ainda são divididos em três classes: os açúcares (apresentam os polióis, mono e dissacarídeos), os oligossacarídeos e os polissacarídeos. A palavra “sacarídea” é derivada do grego sakcharon, que significa açúcar. Em outras palavras, monossacarídeo significa “uma molécula de açúcar”, dissacarídeo, duas moléculas – os principais são sacarose, maltose e lactose –, e assim por diante.

Saindo desta visão estritamente técnica, carboidratos são moléculas presentes em quase tudo o que consumimos, começando pelo pãozinho com geleia, passando pelo arroz com feijão e farofa, chegando ao leite batido com morangos e terminando com um mingau de aveia e mel – sim, todos esses alimentos apresentam carboidratos em sua composição. Até mesmo o leite.

 

Balanço energético

Como o próprio nome sugere, balanço energético é o equilíbrio entre calorias ingeridas e calorias gastas. Caso mais calorias sejam ingeridas do que gastas, temos balanço energético positivo, onde, possivelmente, ocorrerá aumento da massa corporal. O oposto também é possível: o gasto calórico supera as calorias ingeridas, ocasionando um balanço energético negativo que, possivelmente, causará uma diminuição da massa corporal.

Até o momento, o balanço energético é o modelo mais estudado e aceito como norteador na flutuação de peso. Claro que há diversas maneiras de perder ou ganhar massa corporal – algumas formas mais efetivas do que outras –, contudo, todas partem dessa noção para montar sua estratégia nutricional.

 

As evidências

Houve época em que a dieta mais popular tinha como premissa diminuir o consumo de gorduras. Era a “Low-fat Diet”. A hipótese por trás de sua utilização baseava-se no valor calórico presente nos macronutrientes: a gordura é mais calórica do que o carboidrato e a proteína (um grama de carboidrato ou proteína apresentam 4 Kcal, já um grama de gordura tem 9 Kcal).

Hoje, o que está em voga são as dietas com baixo teor de carboidratos (“Low-carb Diets”), o jejum intermitente, dietas vegetarianas, veganas e a palhaçada do raw meat diet – de verdade, eu não entendo como alguém cai nesse papinho mequetrefe de “conexão” com o estilo de vida caçador que nossos antepassados (supostamente) tinham.

Todas as dietas supracitadas podem ser utilizadas para a perda de massa corporal, desde que, no fim, levem a um consumo de calorias que seja menor do que o gasto. Contudo, isso não significa que outros fatores não exerçam efeitos diretos no emagrecimento, caso da distribuição de macronutrientes, hormônios, estresse, atividade física, sono e, principalmente, aderência.

Porém, não precisam acreditar em mim, os estudos falam por si só:

HU, T. et al. (2012) realizaram uma meta-análise sobre os estudos clínicos randomizados e controlados que compararam os efeitos das dietas Low-carb e Low-fat sobre alguns fatores de risco para a saúde. Dentre os 97 potenciais ensaios, 23 atingiram os critérios de elegibilidade, totalizando 2.788 participantes. Os autores observaram que ambas as dietas foram efetivas para a redução do peso corporal, da circunferência da cintura, da pressão arterial e marcadores do perfil lipídico. Contudo, os participantes da dieta Low-carb apresentaram um melhor resultado com relação às medidas de colesterol HDL e aos triglicerídeos quando comparados ao grupo Low-fat – no caso do colesterol HDL, houve um aumento na concentração, enquanto nos triglicerídeos ocorreu uma maior redução dos níveis.

Resultados semelhantes foram encontrados no ensaio clínico randomizado de GARDNER, C. et al. (2018). Neste, os autores pretendiam determinar os efeitos de uma dieta saudável baixa em gorduras (HLF) versus uma dieta saudável baixa em carboidratos (HLC) em relação à mudança de peso e, além disso, entender se o padrão genótipo ou a secreção de insulina estariam relacionados aos efeitos dietéticos na perda de peso.

O estudo contou com participantes de ambos os sexos que apresentavam um IMC entre 28 e 40 (sobrepeso e obesidade grau 3), com idades entre 18 e 50 anos. Foram excluídos da amostra voluntários que apresentavam doenças – diabetes, hipertensão descontrolada, câncer, entre outras –, utilizavam medicamentos que afetavam o peso corporal ou o gasto energético e grávidas ou lactantes. Obteve-se um total de 609 voluntários.

Após essa primeira etapa, os participantes foram alocados, de maneira randomizada, em dois grupos. Um recebeu uma dieta com baixa gordura e outro que recebeu uma dieta baixa em carboidratos. O estudo perdurou por 12 meses. Ambos os grupos perderam peso, sendo que os membros do grupo HLF perderam, em média, 5,3 kg enquanto os do grupo HLC perderam, aproximadamente, 6,0 kg. A porcentagem de gordura corporal também caiu nos dois grupos (1,97% e 2,15%, respectivamente). Além disso, ambas as estratégias mostraram benefícios em marcadores de saúde, como colesterol e pressão arterial, na comparação “pré-pós” – isto é, entre os níveis apresentados pelos voluntários no início do estudo e ao final.

Em revisão sistemática com meta-análise, GE, L. et al. (2020) compararam os padrões dietéticos de 14 programas de dietas populares para redução de peso e fatores de risco cardiovasculares em adultos com sobrepeso ou obesidade. Após a aplicação dos critérios de elegibilidade, foram incluídos 121 ensaios clínicos randomizados, totalizando 21.942 participantes, com 69% da amostra sendo composta por mulheres e com uma intervenção que durou, aproximadamente, 26 semanas.

Ao final da revisão, os pesquisadores concluíram que indivíduos que seguiram qualquer um dos três padrões dietéticos analisados – Low-carb, Low-fat e macronutrientes moderados –, quando comparados com a dieta usual (continuidade dos hábitos alimentares), apresentaram uma perda de peso modesta e uma redução substancial na pressão arterial aos seis meses, mas não em 12. Ademais, os autores reforçam que as diferenças encontradas entre as dietas foram pequenas, implicando que as pessoas podem escolher a dieta que melhor lhes convêm.

TWELLS, L. et al. (2021) realizaram uma revisão sistemática sobre revisões sistemáticas e meta-análises que investigaram intervenções não cirúrgicas para perda de peso. 64 meta-análises atingiram os critérios de elegibilidade, totalizando 1.180 ensaios clínicos randomizados e um montante de 184.605 participantes.

Os estudos foram categorizados como dietas (13), terapias combinadas (10), alternativas (16), tecnologia (10), comportamental (5), atividade física (6) e farmacoterapia (3). Dentre estas, as dietas – tanto Low-carb quanto Low-fat – aparentam ser as intervenções mais efetivas se seguidas por 6 meses. A íntegra do estudo, no entanto, encontra-se atrás de um paywall e não foi possível analisá-lo em detalhe para determinar a presença de vieses ou de erros metodológicos.

 

Basta comer menos e treinar mais?

Não exatamente. Apesar de reduzir o consumo calórico e aumentar o gasto de energia ser considerada a estratégia básica para a perda de peso, o processo não é tão simples quanto parece. A fontes de carboidratos não são todas iguais. Dependendo de suas características, a forma como o corpo reage a eles – a resposta glicêmica, ou RG – pode variar de maneiras importantes.

Há inúmeras características que devem ser levadas em consideração na hora de avaliar uma resposta glicêmica, como a quantidade total do carboidrato consumido, o conteúdo de fibra alimentar presente, a presença de outros macronutrientes que possam interferir na digestibilidade, o processamento do alimento e, claro, as características individuais de cada ser humano – nível de atividade física, motilidade intestinal, sensibilidade à insulina, entre outros parâmetros.

LUDWIG, D.  et al. (2021), no artigo “O modelo carboidrato-insulina: Uma perspectiva fisiológica da obesidade pandêmica”, fazem a comparação entre os dois modelos vigentes sobre as causas da obesidade, o modelo de balanço energético (EBM) e o modelo carboidrato-insulina (CIM).

O trabalho aponta para algumas complexidades da relação entre consumo energético e perda ou (ganho) de peso, como a possibilidade de o organismo adaptar-se à redução do consumo de calorias, reduzindo o consumo energético basal (o que pode reduzir, ou interromper, a perda de peso) e estimulando o apetite (o que dificulta a adesão à dieta no longo prazo).

Para ter uma visão mais aprofundada dessa e de outras complexidades, vale a pena ler o artigo na íntegra, ou o blog do Dr. Souto.

Tudo isso mostra que entender o balanço energético é, por assim dizer, o “início da sabedoria” sobre emagrecimento e controle da obesidade, mas está longe de ser o fim. Obviamente seria mais fácil sacramentar os carboidratos como a causa de todo mal: dessa forma, só precisaríamos eliminá-lo de nossas vidas e, como em um passe de mágica, tudo seria resolvido.

Contudo, esse cenário não é respaldado pela realidade. Além de reduzir os alimentos a um amontoado de nutrientes – esquecendo que fazem parte da cultura identitária da população e são fontes de prazer –, é muito simplista colocar todas as fontes de carboidrato no mesmo balaio. E diferentes indivíduos apresentarão diferentes aderências, e seus organismos, diferentes reações a diferentes tipos de dieta...

Mauro Proença é nutricionista

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