O ozônio e a zona institucional

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8 ago 2023
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que autoriza a prática da ozonioterapia em todo o território nacional. A lei libera a prática de “forma complementar”, a ser aplicada por qualquer profissional de saúde com diploma de nível superior, e apenas com equipamentos aprovados pela Anvisa. A barafunda institucional brasileira é tamanha que, sancionada a lei, a Anvisa se apressou em avisar que os únicos equipamentos de ozonioterapia aprovados para uso no Brasil estão liberados apenas para limpeza de pele e procedimentos odontológicos – o que deixa o “complementar” do texto da lei meio que pendurado no ar.

E a barafunda não para aí: o mesmo Ministério da Saúde que havia sugerido ao presidente que vetasse a lei publica um guia sobre Práticas Integrativas e Complementares (PICs) que canta louvores da prática. Nesta página oficial do ministério sob responsabilidade de Nísia Trindade, o incauto cidadão lê que:

“O ozônio medicinal, nos seus diversos mecanismos de ação, representa um estímulo que contribui para a melhora de diversas doenças, uma vez que pode ajudar a recuperar de forma natural a capacidade funcional do organismo humano e animal. Alguns setores de saúde adotam regularmente esta prática em seus protocolos de atendimento, como a odontologia, a neurologia e a oncologia, dentre outras”.

Avaliação rósea de que nem a ministra, nem a Anvisa, pelo jeito, compartilham. E por bons motivos: como aponta parecer da FDA, órgão regulador do mercado de medicamentos, tratamentos de saúde e alimentos dos Estados Unidos, “o ozônio é um gás tóxico e sem nenhuma aplicação médica útil conhecida, seja como terapia específica, adjuvante ou preventiva. Para ser eficaz como germicida, deve estar presente numa concentração muito superior à que pode ser tolerada por seres humanos ou animais”. O guia de medicina alternativa publicado pelo especialista internacional Edzard Ernst, “Alternative Medicine: A Critical Assessment”, aponta que mesmo o uso odontológico do ozônio, autorizado no Brasil, não encontra apoio em boas evidências.

Em 2020, em plena Era Bolsonaro, o Brasil havia escapado de subsidiar um estudo sobre a suposta eficácia da ozonioterapia por insuflação anal contra COVID-19. Depois de passar por duas etapas preliminares de seleção, a proposta acabou desclassificada em processo de seleção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A chamada pública havia sido aberta em busca de “soluções tecnológicas inovadoras para COVID-19”. O estudo pleiteava um apoio de quase meio milhão de reais da Finep.

Em pelo menos um aspecto, portanto, o Brasil de 2023 está mais obscurantista do que o de 2020. Que o obscurantismo atual seja de conveniência (não desagradar lobbies, não melindrar deputados) e não de coração (negacionismo convicto) ainda consola, mas cada vez menos.

Carlos Orsi é jornalista, editor-chefe da Revista Questão de Ciência, autor de "O Livro dos Milagres" (Editora da Unesp), "O Livro da Astrologia" (KDP), "Negacionismo" (Editora de Cultura) e coautor de "Pura Picaretagem" (Leya), "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, "Contra a Realidade" (Papirus 7 Mares) e "Que Bobagem!" (Editora Contexto)

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