O círculo vicioso da conspiração

Apocalipse Now
26 dez 2018
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Funeral de Diana, Princesa de Gales
Funeral de Diana, Princesa de Gales

Crença em Teorias de Conspiração é uma porta de entrada para o mundo das fake news, sugere um estudo publicado no início do mês no Australian Journal of Psychology. O levantamento é correlacional – não entra no mérito de quais as causas subjacentes – mas indica que crer em conspirações é algo que predispõe à aceitação e ao compartilhamento de material falso sobre política. O que sugere que estamos encrencados: no cenário atual de polarização política, praticamente todo mundo tem sua teoria conspiratória de estimação.

Mas, afinal, o que significa “acreditar em teorias da conspiração?”

Em seu livro A Sociedade Aberta e Seus Inimigos , o filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) critica o que chama de "teoria conspiratória da sociedade", definida como um modo de explicar o mundo baseado na identificação dos beneficiários de um dado fenômeno, que passam a ser automaticamente suspeitos de causarem o fenômeno.

Em outra obra, Conjecturas e Refutações, Popper elabora sua objeção: "a teoria conspiratória da sociedade não pode ser verdade, porque equivale à alegação de que eventos, mesmo os que à primeira vista não parecem ter estado nas intenções de ninguém, são os resultados propositais das pessoas interessadas nesses resultados".

Resumindo: a gripe da professora foi causada pelos alunos que não estudaram para a prova. Os estudos que dizem que transgênicos são seguros são invenções da indústria de biotecnologia. Quem critica homeopatia quer aumentar as vendas de remédios tradicionais. E, claro, a falta de evidências da presença de extraterrestres em nosso planeta serve aos que querem esconder a presença de extraterrestres em nosso planeta.

A questão cui bono? – “quem se beneficia?” – é uma das mais importantes a responder na investigação de um crime; o problema de aplicá-la automaticamente a todo tipo de situação é que ela muitas vezes pressupõe que há um crime a elucidar, o que quase nunca é um dado a priori., mas algo ainda a ser demonstrado.

Tratar “a quem isso serve?” como questão central num debate, antes de estabelecer a presença de má-fé, é correr o risco de construir um raciocínio circular. Em outras palavras, primeiro pressupõe-se que existe a intenção de causar dano, para depois concluir que existe a intenção de causar dano. Daí para a construção de uma arquitetura de conspirações imaginárias é um passo.

Em linha com a crítica de Popper ao pensamento conspiratório – e com o reconhecimento dos vícios cognitivos envolvidos aí –, vários estudiosos se referem às teorias de conspiração como uma forma de "epistemologia aleijada".

Desde que o filósofo austríaco publicou suas primeiras ideias sobre o assunto, muita pesquisa foi feita a respeito.

O psicólogo britânico Rob Brotherton, em seu livro Suspicious Minds, chama atenção para um viés cognitivo específico, o “viés de proporcionalidade”, a ideia de que grandes efeitos requerem, necessariamente, grandes causas. 

A ideia de que incidentes desprezíveis podem ter efeitos momentosos é repugnante para a intuição humana. Exigimos que um grande evento tenha uma grande causa.

É uma intuição de raízes profundas e afeta até mesmo decisões, muitas vezes, inconscientes: por exemplo, a maioria das pessoas arremessa os dados com força quando quer um número alto, e mais delicadamente quando espera um resultado baixo -- grande força, grande número, e vice-versa. O problema é que essa intuição está errada. Grandes eventos às vezes têm causas grandiosas, às vezes não. A força do arremesso não afeta o resultado do lance de dados.

Brotherton descreve uma série de experimentos engenhosos, realizados por cientistas sociais e psicólogos, que mostra como o viés de proporcionalidade vai fundo no nosso modo de pensar.

Em um deles, voluntários ouviram duas versões de uma história sobre um acidente aéreo, em que uma explosão no compartimento de carga faz com que o avião perca o controle. Numa versão, o piloto consegue realizar um pouso de emergência; na outra, o avião cai e todos a bordo morrem.

A maioria das pessoas que ouve a história com o final feliz tende a considerar uma explosão acidental mais plausível do que um atentado terrorista; já quem ouve a versão trágica aponta o terrorismo como causa. Mas, explica o autor, a única diferença causal objetiva entre os desfechos é a habilidade presumida do piloto.

Teorias de conspiração também permitem conciliar crenças contraditórias, de acordo com estudo publicado em 2012 no periódico Social Psychological and Personality Science.

Pessoas que acreditam que a princesa Diana foi vítima de um assassinato político também tendem a acreditar que ela forjou a própria morte, e pessoas que acreditam que Osama bin Laden ainda está vivo também tendem a acreditar que ele já estava morto quando os soldados americanos entraram em seu complexo no Paquistão.

A análise dos dados mostrou que “teorias de conspiração mutuamente excludentes têm associação positiva entre si, porque estão ambas associadas à visão de que as autoridades tomam parte num acobertamento”. Enfim: uma vez dada a firme presunção de que determinado grupo – no caso, o governo britânico ou americano – é culpado, a questão “culpado de quê” torna-se secundária.

Essa ideia de que teorias da conspiração vêm em blocos não é exatamente nova: um estudo conduzido em 1994 nos Estados Unidos aponta que, de uma lista de dez conspirações, “pessoas que acreditavam em uma tinham maior probabilidade de também acreditar em outras”.

Mas, como se diz por aí, o fato de você ser paranoico não significa que eles não estão mesmo tentando te pegar. Em tempos mais recentes, filósofos como Charles Pidgen e Matthew Dentith passaram a chamar atenção para o fato de que a história está repleta de conspirações devidamente comprovadas, do assassinato de Júlio César à ação da CIA para usar uma falsa campanha de vacinação no Paquistão a fim de rastrear Osama bin Laden.

Por conta disso, eles põem em xeque a noção de que todo e qualquer uso de conspirações como modelos explicativos reflete algum tipo de "aleijão" epistemológico.

Em The Philosophy of Conspiracy Theories, Dentith escreve: "o que fará de uma teoria da conspiração uma crença racional ou razoável depende da evidência. Não devemos descartar uma teoria de conspiração apenas porque alguns conspiracionistas acreditam nela". O autor distingue entre "conspiracionismo" -- a predisposição retórica, psicológica e epistemológica atacada por Popper -- e as teorias de conspiração em si, que devem ser julgadas racionalmente, com base em seus méritos individuais.

Em Suspicious Minds, Brotherton oferece algumas pistas que podem servir de critério para distinguir teorias provavelmente paranoicas de outras, talvez legítimas (ainda que não necessariamente verdadeiras). As formas paranoicas costumam ter amplitude megalomaníaca, enquanto que conspirações reais têm escopo menor. Um a
rtigo na PLoS ONE chega a oferecer um método de cálculo do tamanho máximo plausível de uma conspiração, para que seja viável no mundo real.

O estilo paranoico costuma dotar suas conspirações de um poder explicativo quase infinito -- evidências contra a conspiração são falsas e foram plantadas por quem quer desviar atenção da conspiração! – que, se as torna impossíveis de desmentir,  também faz com que sejam impossíveis de comprovar. 

A teoria paranoica alimenta-se de suspeitas, não fatos. Fatos podem ser elencados para talvez tornar as suspeitas mais plausíveis, mas nunca são mais do que sugestivos -- e sugestivos do quê, depende das predisposições de quem os ouve. Ela é, mais uma vez, fundamentalmente circular: pressupõe, logo de partida, a culpa que deveria demonstrar, e enxerga a realidade através desse filtro enviesado.

Esses fatores – enviesamento, tolerância a contradições, vício de proporcionalidade, raciocínio circular – ajudam a explicar a força atrativa que existe entre teorias da conspirações e fake news. Quando a questão “a quem serve?” se torna mais importante do que “é verdade?”, é grande a chance de o mundo ter virado um labirinto de espelhos.

Carlos Orsi é jornalista e editor-chefe da Revista Questão de Ciência

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