Recomendações da mídia não são "fórmulas da felicidade"

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10 ago 2023
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Rosto sorridente

 

Uma caminhada no parque. Um jogo de futebol com amigos. Uma aula de dança. Uma reunião de família. Um retiro na serra. Esta é uma lista de atividades em que grande parte das pessoas encontraria pelo menos uma que considera agradável e prazeirosa. Todas trazem elementos que incluem também pelo menos uma das recomendações mais comuns para aumentar o bem-estar pessoal e a satisfação com a vida apresentadas como "a fórmula da felicidade" em incontáveis narrativas publicadas pela mídia ao logo dos anos. Nenhuma, porém, com evidências robustas de que realmente funcionem para isso, aponta uma revisão sistemática de estudos sobre o tema, publicada recentemente na revista "Nature Human Behaviour".

Conduzida por Dunigan Folk e Elizabeth Dunn, pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, a revisão primeiro identificou os cinco tipos de estratégias mais recomendadas para aumentar a felicidade por trás das atividades dadas como exemplos para isso na mídia. Foram elas:

(1) Expressar gratidão - Na maior parte das vezes, as recomendações envolviam atitudes intrapessoais, como fazer uma lista das benesses recebidas, ou reconhecer mentalmente o quanto se é sortudo ou abençoado diante de acontecimentos positivos, mas também interpessoais, como escrever cartas de agradecimento;

(2) Interação social - Aqui entraram recomendações como se encontrar com família e amigos próximos, aumentar o círculo social, fazendo novos amigos, ou mesmo interagir com estranhos e conhecidos, procurando se comportar de maneira mais extrovertida e ser mais "sociável";

(3) Meditação/mindfulness - Neste caso, as recomendações envolviam adotar práticas de meditação ou mindfulness, exercícios de respiração, meditação da compaixão ou da bondade amorosa, ou qualquer outra atividade que envolva atenção ao momento presente de maneira serena;

(4) Atividade física - Neste conjunto estão recomendações muito comuns para várias condições ou finalidades, como praticar exercícios, de caminhar a correr, bem como musculação, alongamento e yoga, e atividades esportivas individuais ou coletivas;

(5) Exposição à natureza - Fechando os tipos de recomendações mais comuns estão desde simplesmente passar mais tempo ao ar livre e fazer caminhadas em trilhas naturais ou parques urbanos a trazer a natureza para dentro de casa, como criar plantas.

Daí, a dupla fez uma pesquisa na literatura científica de estudos que avaliaram os efeitos de recomendações como estas nos níveis de felicidade ou satisfação pessoal de indivíduos saudáveis, ou seja, sem diagnóstico de problemas físicos ou mentais, com foco na qualidade dos experimentos. Neste ponto, Folk e Dunn levaram em conta principalmente boas práticas de pesquisa: se os parâmetros dos estudo foram pré-registrados; se as amostras eram grandes o suficiente; e que se propusessem a mensurar a definição acadêmica de "felicidade" como um "bem-estar subjetivo", que inclui componentes emocionais, como experimentar mais emoções positivas do que negativas no dia a dia, e componentes cognitivos, como sentir-se satisfeito com a vida em geral.

De início, os pesquisadores encontraram mais de 22 mil artigos, dos quais cerca da metade eram duplicatas. Dos restantes, pouco mais de 10 mil foram excluídos como irrelevantes para a revisão, após uma avaliação de seus resumos. Sobraram cerca de mil estudos, dos quais aproximadamente metade foi excluída novamente por razões como desenho - isto é, buscaram correlações ou não foram randomizados -; o tipo de intervenção - usando, por exemplo, uma combinação de estratégias no lugar de uma só -; tipo da população - pacientes com câncer ou pessoas com depressão, por exemplo -; e ausência de desfechos associados a bem-estar subjetivo, além de outras revisões, falta de acesso e novos casos de duplicação. Restaram então pouco menos de 500 estudos, dos quais apenas 57 foram pré-registrados e/ou cumpriam os requisitos mínimos de poder estatístico, e aí entraram na revisão detalhada.

Gratidão e extroversão

Segundo os pesquisadores, após a análise apenas intervenções do tipo "expressar gratidão" e "interação social" demonstraram ter evidências mais fortes de aumentar a felicidade e bem-estar pessoal. No caso na gratidão, dois estudos pré-registrados e com poder estatístico suficiente indicam que escrever textos e listas de reconhecimento e agradecimento promove sentimentos positivos no curto prazo, enquanto outros 24 estudos, também de bom poder estatístico, mas sem registro prévio dos parâmetros, apontam "efeitos salutares" de várias formas de expressar gratidão, com as evidências mais fracas em favor das cartas e mais fortes para as listas.

"Encontramos evidências consistentes de que pessoas dos mais diversos contextos culturais se beneficiam de fazer listas de agradecimento. Em conjunto, há evidências razoavelmente sólidas de que práticas de gratidão podem melhorar o humor, pelo menos temporariamente", avaliam.

Já para a interação social, dois estudos pré-registrados e com poder estatístico suficiente encontraram benefícios de conversar com estranhos tanto em ambiente de laboratório quanto no "mundo real". No primeiro deles, dois grupos de cem universitários americanos ou passaram 30 minutos falando com um colega que não conheciam previamente, ou podiam escolher quanto deste tempo passariam conversando ou ficando quietos, sem nada para fazer. Os estudantes designados para conversar o tempo todo relataram terem gostado significativamente mais da experiência do que os que puderam escolher ficarem quietos. Folk e Dunn ressaltam, porém, que "o grande efeito observado pode ser parcialmente explicado pelo fato de que ficar sentado em silêncio em um laboratório de psicologia é entediante".

No segundo destes estudos de melhor qualidade, pediu-se a usuários do metrô de Londres para fazer seus deslocamentos diários conversando com um estranho, sentados sozinhos ou se comportando como normalmente fariam. Depois do experimento, os participantes que ficaram falando com estranhos relataram um humor mais positivo do que os dos outros grupos. Além disso, outros dois estudos - um pequeno, mas pré-registrado, e outro maior, mas sem registro prévio - também sugerem que se comportar de maneira mais extrovertida por períodos mais prolongados ajuda a melhorar o humor, enquanto mais um teste de bom poder estatístico indica que mesmo uma única e pequena interação social, como cumprimentar o motorista de ônibus na saída com um simples "obrigado, tenha um bom dia" eleva os relatos de sentimentos positivos no curto prazo.

Diante disso, os pesquisadores consideram haver "evidências sólidas" de que conversar com estranhos melhora o humor, e de "evidências convincentes" de que ser mais extrovertido aumenta a felicidade. Eles frisam, porém, que é grande a escassez de estudos nesta área investigando a tão comum afirmação de que passar mais tempo com pessoas próximas, como família e amigos, pode nos deixar mais felizes.

Estudos escassos

Situação que é ainda pior para os três outros tipos mais comuns de recomendações para aumentar a felicidade e o bem-estar pessoal. Para meditação/mindfulness, os pesquisadores encontraram apenas um estudo pré-registrado, mas de baixo poder estatístico, que investigou o impacto da prática de mindfulness na felicidade, e não viu nenhuma melhoria no humor dos participantes, comparados a um grupo de controle. Além disso, encontraram apenas oito experimentos de bom poder estatístico avaliando estes tipos de intervenção, em diferentes contextos, com resultados mistos. A maioria deles, porém, não foi controlada para as oportunidades de interação social durante as práticas. Diante disso, a dupla considera haver apenas "evidências limitadas na literatura" que apoiem a noção de que meditação ou mindfulness aumentam o bem-estar pessoal.

Com relação a atividades físicas, os pesquisadores se disseram surpresos em constatar que, apesar de numerosos estudos avaliarem os benefícios à saúde da prática, são raras as investigações rigorosas dos impactos de exercícios no bem-estar pessoal. Ao todo, identificaram apenas uma dúzia de experimentos com bom poder estatístico, mas nenhum com parâmetros registrados previamente. Segundo eles, juntos estes estudos sugerem que uma única sessão de exercícios pode melhorar o humor no curto prazo, mas quase todos os programas de atividades físicas de maior prazo fracassaram em demonstrar benefícios no aumento do bem-estar subjetivo. Assim, consideram que a literatura científica atual "pouco apoia a noção popular de que exercícios promovem a felicidade".

Por fim, quanto ao efeito da exposição à natureza no humor geral das pessoas, só acharam cinco experimentos de bom poder estatístico, nenhum pré-registrado. Três deles envolveram contato direto com a natureza. O primeiro comparou os efeitos no humor de caminhadas em três ambientes: uma floresta, um parque urbano e no centro da cidade. Nele, os participantes relataram terem se sentido melhor depois de passear na floresta e no parque do que após andar na cidade. Já no segundo, os participantes avaliaram se sentir melhor após caminhadas na orla do que numa área urbana de Barcelona, enquanto no terceiro preferiram uma caminhada ao ar livre do que num ambiente fechado. O problema é que em todos estes experimentos a única variação foi no ambiente da atividade, o que levanta a possibilidade de as respostas positivas refletirem as ideias dos próprios participantes quanto aos benefícios do contato com a natureza, ou mesmo o que imaginavam ser as respostas que os experimentadores queriam.

Os outros dois estudos, por sua vez, buscaram observar os efeitos de uma atenção maior à natureza do que efetivamente passar mais tempo em contato com ela. Em ambos, dois grupos de participantes foram instados a prestar mais atenção nos aspectos naturais ou nas construções dos ambientes pelos quais circulavam ao longo do dia. Em ambos os casos, os voluntários que prestaram mais atenção na natureza relataram emoções mais positivas do que os que prestaram mais atenção nos aspectos urbanos. Embora reconheçam que uma outra revisão recente tenha apontado que a ciência apoia a ideia de que a exposição à natureza melhora o bem-estar, os autores ressaltam que este levantamento não levou em conta os tamanhos das amostras dos estudos analisados, o que coloca em xeque suas conclusões.

Recomendações sem provas

Diante dos resultados de sua revisão, Folk e Dunn destacam a necessidade de mais estudos para fundamentar estratégias para aumentar a felicidade, especialmente as que envolvem meditação, atividade física e contato com a natureza. Segundo eles, dada a frequência e entusiasmo com que atividades destes tipos são recomendadas na mídia, não é admissível que cerca de 95% dos experimentos careçam de poder estatístico suficiente para detectar de maneira mais confiável efeitos no campo da psicologia social.

"Ironicamente, o grande corpo de pesquisas fracas sobre estas estratégias pode ser uma barreira para conduzir e publicar trabalhos mais fortes", alertam. "Editores e revisores podem presumir erroneamente que já há fartas evidências em apoio a estas estratégias. Baseando-se numa heurística de disponibilidade, seria fácil presumir que elas têm uma base sólida dada a frequência com que são recomendadas. De fato, todas intervenções que aqui revisamos também foram citadas por especialistas como potenciais estratégias para aumentar a felicidade em um estudo Delphi (que procuram identificar consensos científicos). Esperamos que esta revisão seja uma plataforma para testar se estas estratégias de felicidade usando as melhores práticas atuais, incluindo registros prévios e desenhos de alto pode estatístico, assim como mensurações rigorosas e dados abertos".

A dupla ressalta ainda que sua revisão aborda apenas experimentos envolvendo populações saudáveis, não pretendendo avaliar os potenciais benefícios de estratégias como exercícios em pessoas sofrendo com distúrbios físicas ou mentais, como a depressão, bem como seus impactos em outros aspectos do bem-estar, como na autoestima e nos níveis de estresse.

Por fim, os autores argumentam o seguinte:

"Deixando bem claro, não pretendemos sugerir que estas estratégias de felicidade são como vender óleo de cobra (charlatanismo). São mais como vitaminas, que teoricamente devem ser benéficas. Para a maior parte das estratégias revisadas, o que há simplesmente é a ausência de evidências robustas as apoiando (ao invés de forte 'evidência de ausência')", concluem. "No meio tempo, há algum prejuízo em recomendar estas estratégias para o público - mesmo se as evidências são fracas - dado que algumas pessoas podem se beneficiar destas técnicas? Embora acreditemos fortemente na importância da 'psicologia para as massas', também é importante reconhecer que algumas estratégias de felicidade, como programas de meditação, requerem tempo e energia substanciais que muitas pessoas têm um suprimento limitado. E se estas estratégias são retratadas como tendo fortes bases científicas, os indivíduos podem se sentir desencorajados se elas falharem em melhorar seu bem-estar. (...) De fato, se levamos a felicidade a sério, precisamos exigir de uma estratégia comportamental desenhada para melhorar o bem-estar o mesmo nível de evidência que exigimos de uma nova vitamina".

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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