Questões de ciência

Editorial
22 nov 2018

A comunicação da ciência para o público em geral é uma atividade sujeita a diversos tipos de mal-entendido. O primeiro deles talvez seja a própria ideia evocada pela expressão “público em geral” – uma massa mais ou menos disforme, ignorante e despreparada, da qual os cientistas e os comunicadores não fazem parte e à qual se dirigem com condescendência.

Nada mais distante da verdade: quando um físico, por exemplo, tenta falar sobre seu trabalho em linguagem popular, biólogos são parte desse “público em geral”. Quando um matemático tenta explicar um teorema em termos inteligíveis para a maioria, essa “maioria” inclui filósofos, advogados, astrônomos. Todo especialista é “leigo” fora de sua especialidade.

Outro vício frequente é o de relegar a comunicação popular da ciência à categoria das curiosidades –  assuntos chamativos mas de pouca relevância real, sem repercussão na sociedade e cujo interesse se esgota em si mesmo: galinhas de duas cabeças, igrejas atingidas por raios, observação de óvnis.

Questões de ciência, quando aparecem revestidas de relevância imediata e têm claro poder de repercussão social, tendem a ser tratadas como alguma outra coisa: questões de política, de economia, de religião, de comportamento, etc. O que também talvez sejam, diga-se de passagem – mas não em essência.

Assim que ocorre essa inversão de prioridades, algo curioso se segue: a questão de ciência – que deveria ser resolvida com base em lógica e evidência – vira questão de opinião. De repente, conclusões testadas seguidas vezes, verificadas por especialistas e apoiadas em evidências sólidas passam a ser “só mais um ponto de vista”. E, reduzidas dessa forma, transformam-se em armas de disputa político-ideológica.

Um dos principais objetivos desta revista é traçar o caminho inverso. Resgatar as questões de ciência imersas no debate público e tratá-las como o que, de fato, são. Para isso, contaremos com articulistas convidados e reportagens especiais.

Marcando nossa estreia, a reportagem de Ruth Helena Bellinghini levanta uma das questões de ciência mais maltratadas na mídia, com trágico impacto sobre a consciência  popular, economia e na formulação de políticas públicas: a falsa promessa das “curas alternativas” para o câncer.

Em nossa missão de dar relevo às questões de ciência que informam, ou deveriam informar, o debate público e o ambiente cultural, será inevitável o choque com as chamadas pseudociências que também buscam interferir nesse debate e moldar esse ambiente. Sabemos que a mera relevância desse conceito, “pseudociência”, é muitas vezes contestada – em bases filosóficas ou apenas retóricas – e teremos algo a dizer sobre isso em nossos artigos de estreia.

Ciência é muito mais que um conjunto de conhecimentos, ou uma comunidade de homens e mulheres de jaleco – é um modo especial de pensar e de olhar para o mundo, uma atitude, ao mesmo tempo crítica e construtiva, diante das alegações dos outros e das próprias crenças.

Manteremos sempre essa atitude. Porque por trás de tudo que é relevante na sociedade, hoje,  é sempre inevitável encontrar alguma Questão de Ciência.

Bem-vindo a bordo.

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