Comunicação e teorias conspiratórias

Questão de Fato
1 ago 2020
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Pandemias “viralizam” não só agentes biológicos causadores de doenças (vírus, bactérias, príons) como também “viralizam” teorias da conspiração. As teorias da conspiração pandêmicas geram discursos facilmente replicáveis sobre as causas da pandemia e das respostas sociais à pandemia (medidas governamentais, vacinas) e costumam afetar a adesão a medidas sanitárias (higiene, redução da exposição, adesão a vacinas), além de alimentar estigma e hostilidade sobre grupos vulneráveis.

Como o surgimento e os padrões de contágio dos patógenos são de difícil compreensão (são abstratos, invisíveis ao olho humano e há lacunas no conhecimento científico) e repletos de probabilidades, a atribuição determinista de intencionalidade quanto aos efeitos diretos gera explicações de fácil compreensão, adesão e replicação.

Teorias da conspiração oferecem a identificação de um agente intencional, macroscópico e notável por algum sinal visível (estigma) – como um grupo social específico –, reduzindo as incertezas. Assim, teorias da conspiração geram explicações sobre porque algo ocorreu, quem se beneficia disso e quem deve ser culpabilizado.

Embora satisfaçam necessidades de explicação e identificação de padrões, teorias da conspiração não atendem a critérios de teorias científicas pois: 1) são especulativas (falam sobre elementos não observados) em vez de estritamente factuais; 2) são complexas (supõem a coordenação de múltiplos agentes) em vez de parcimoniosas; e 3) são resistentes a evidências contrárias (que são interpretadas como uma confirmação da existência da conspiração) (Lewandowsky, Cook, Oberauer, Brophy, Lloyd, & Marriott, 2015).

 

Psicologia da conspiração

A adesão a teorias da conspiração varia entre indivíduos (Bruder, Haffke, Neave, Nouripanah, & Imhoff, 2013), sendo que pessoas que aderem a uma teoria da conspiração têm maior probabilidade de aderir a outras teorias da conspiração (Lewandowsky, Gignac, Oberauer, 2013).

A adesão a teorias da conspiração está altamente relacionada a alguns traços psicológicos latentes: pensamento mágico e crença no sobrenatural, baixa tolerância à incerteza, baixo nível de pensamento analítico, crença na própria excepcionalidade (narcisismo), rejeição de teorias científicas em favor de pseudociências, percepção de ameaça à autoimagem positiva do grupo social a que pertence e alta tendência a buscar padrões, atribuir intencionalidade e superestimar frequência de eventos simultâneos ou convergentes (Douglas, Sutton, & Cichocka, 2017).

Embora a identificação de algo que não é uma conspiração como uma conspiração possa trazer custos sociais – danos à reputação, exclusão social ou prejuízos a inocentes –, esses custos sociais são minimizados pela vinculação a um grupo social que sustenta e reforça a teoria.

Uma teoria da conspiração é uma forma rápida e econômica de encontrar explicações - por meio de “atalhos mentais” (heurísticas) -, identificar potenciais ameaças e alianças maliciosas e organizar uma resposta à ameaça – por confronto ou evitação (Van Prooijen & Van Vugt, 2018). Essa identificação de potenciais ameaças e alianças maliciosas pode facilitar medidas de autodefesa em contextos de perigo iminente, bem como resultar no aumento da hostilidade e da disposição ao conflito entre grupos, e até motivar ataques contra ameaças imaginadas.

Entretanto, tais atalhos cognitivos acarretam em efeitos colaterais. Como a adesão a teorias da conspiração tende a produzir uma desconfiança aguda e generalizada, é possível que as teorias da conspiração sejam a causa, e não efeito, dos sentimentos de alienação e anomia vivenciados (Abalakina-Paap, Stephan, Craig, & Gregory, 1999). Teorias da conspiração geram desconfiança e hostilidade em relação a instituições sociais e organizações civis, provocando a erosão de relações sociais e do pertencimento ao tecido social.

A adesão a teorias da conspiração é motivada pela busca por explicações tranquilizadoras e capazes de gerar a sensação de controle pessoal, por meio da rejeição a discursos percebidos como majoritários. Entretanto, como teorias da conspiração atribuem todo o controle a agentes ocultos e extremamente poderosos, a adesão a teorias da conspiração tende a deixar a pessoa mais insegura, vulnerável e sem ação, pois reduz sua participação em processos coletivos e organizações sociais (Douglas & Sutton, 2008).

Ainda, a exposição a teorias da conspiração tende a reduzir a autoconsciência sobre as próprias crenças e processos mentais, dificultando a comparação de crenças pessoais presentes com crenças pessoais passadas e a identificação de tentativas de persuasão.

 

Teorias da conspiração e comunicação

Teorias da conspiração são crenças de fácil adesão e difícil desconstrução – pois evidências e explicações contrárias à crença são interpretadas como tentativa de manipulação, e “confirmam” a conspiração.

Entretanto, a educação científica é capaz de prevenir a adesão a teorias da conspiração por meio da exposição a argumentos científicos que refutam antecipadamente uma teoria da conspiração (Jolley & Douglas, 2017).

A prática do raciocínio analítico – em vez do raciocínio intuitivo/heurístico – reduz as chances de adesão a teorias da conspiração, possibilitando a contemplação de explicações alternativas e tolerância à incerteza (Swami, Voracek, Stieger, Tran, Furnham, 2014).

A explicação direta é a estratégia comunicacional mais indicada para o público interessado em assuntos científicos, mas para o público com rejeição a teorias e evidências científicas, motivada por necessidades psicológicas latentes, estratégias de comunicação menos voltadas para a explicação de fatos e mais voltadas para a abordagem de tais necessidades psicológicas são mais indicadas. (Hornsey, & Fielding, 2017).

As necessidades psicológicas latentes que motivam atitudes anticientíficas são classificadas em seis tipos: 1) valores de dominância social – que legitimam hierarquias e desigualdades sociais –; 2) ideação conspiratória; 3) interesses pessoais; 4) expressão da identidade pessoal; 5) identidade social; e 6) medos e fobias (Hornsey, & Fielding, 2017).

Um estudo demonstrou que negacionistas climáticos se mostraram mais favoráveis (ou menos contrários) a medidas de descarbonização da economia ao se deparar com uma perspectiva de resultados, como geração de negócios e empregos pela economia verde, em mensagens consistentes com sua ideologia individualista e pró-competição (Bain, Hornsey, Bongiorno, & Jeffries, 2012).

Outro estudo encontrou que pessoas que tendem a rejeitar mensagens pró-ambientais por terem valores de dominância social – legitimação de hierarquias e desigualdades sociais – ficam mais receptivas a tais mensagens se elas são congruentes com seus valores – como apresentar atitudes ambientais como “patrióticas” (Feygina, Jost & Goldsmith, 2010).

Ainda, outros estudos indicam que mensagens de atitudes pró-ambientais – como conservação e energia, reciclagem de água – são mais efetivas quando apelam às necessidades psicológicas latentes de identificação com o grupo social, em especial se tais mensagens são emitidas por membros do grupo e se as mensagens indicam comportamentos normativos – que “todos fazem” (Schultz, Khazian, & Zaleski, 2008).

Ainda, a comunicação de teorias e evidências científicas tende a ter maior receptividade quando quem enuncia compartilha de uma identidade comum com seu público (Schultz, & Fielding, 2014).

A investigação científica sobre tais processos psicológicos e sociais pode informar estratégias de comunicação científica voltadas para públicos específicos, de modo a “prevenir” ou “tratar” a adesão a teorias da conspiração e atitudes de rejeição motivada ao conhecimento científico. Há evidências indicativas de estratégias que funcionam, sendo necessário aplicá-las e testá-las, de modo a ampliar o diálogo, promover o raciocínio analítico e reduzir a hostilidade e a desinformação em nossa sociedade.

Bruno Graebin de Farias é psicólogo e doutor em Psicologia (UFRGS)

 

REFERÊNCIAS

Abalakina-Paap, M., Stephan, W. G., Craig, T., Gregory, L. (1999). Beliefs in conspiracies. Political Psychology, 20, 637–647. https://doi.org/10.1111/0162-895X.00160.

Bain, P. G., Hornsey, M. J., Bongiorno, R., & Jeffries, C. (2012). Promoting pro-environmental action in climate change deniers. Nature Climate Change, 2, 600–603. https://doi.org/10.1038/nclimate1532

Bruder, M., Haffke, P., Neave, N., Nouripanah, N., & Imhoff, R. (2013). Measuring individual differences in generic beliefs in conspiracy theories across cultures: Conspiracy Mentality Questionnaire. Frontiers in Psychology, 4, Article 225. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2013.00225.

Douglas, K. M., Sutton, R. M. (2008). The hidden impact of conspiracy theories: Perceived and actual impact of theories surrounding the death of Princess Diana. Journal of Social Psychology, 148, 210–22. https://doi.org/10.3200/SOCP.148.2.210-222.

Douglas, K. M., Sutton, R. M., & Cichocka, A. (2017). The Psychology of Conspiracy Theories. Current Directions in Psychological Science, 26(6), 538–542. https://doi.org/10.1177/0963721417718261

Feygina, I., Jost, J. T., & Goldsmith, R. E. (2010). System justification, the denial of global warming, and the possibility of “system-sanctioned change.”Personality and Social Psychology Bulletin, 36, 326–338. https://doi.org/10.1177/0146167209351435.

Hornsey, M. J., & Fielding, K. S. (2017). Attitude roots and Jiu Jitsu persuasion: Understanding and overcoming the motivated rejection of science. American Psychologist, 72(5), 459-473. http://dx.doi.org/10.1037/a0040437

Jolley, D., & Douglas, K. M. (2017). Prevention is better than cure: Addressing anti-vaccine conspiracy theories. Journal of Applied Social Psychology, 47(8), 459–469. https://doi.org/10.1111/jasp.12453.

Lewandowsky S, Gignac GE, Oberauer K (2013) The Role of Conspiracist Ideation and Worldviews in Predicting Rejection of Science. PLoS ONE 8(10): e75637. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0075637

Lewandowsky S., Cook J., Oberauer K., Brophy S., Lloyd E. A., Marriott M. (2015). Recurrent fury: Conspiratorial discourse in the blogosphere triggered by research on the role of conspiracist ideation in climate denial. Journal of Social and Political Psychology, 3, 142–178. https://doi.org/10.5964/jspp.v3i1.443.

Schultz, P. W., Khazian, A., & Zaleski, A. (2008). Using normative social influence to promote conservation among hotel guests. Social Influence, 3, 4–23. https://doi.org/10.1080/15534510701755614.

Schultz, T., & Fielding, K. (2014). The common in-group identity model enhances communication about recycled water. Journal of Environmental Psychology, 40, 296–305. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2014.07.006.

Swami, V., Voracek, M., Stieger, S., Tran, U. S., Furnham, A. (2014). Analytic thinking reduces belief in conspiracy theories. Cognition, 133, 572–585. https://doi.org/10.1016/j.cognition.2014.08.006.

van Prooijen, J.-W., & van Vugt, M. (2018). Conspiracy Theories: Evolved Functions and Psychological Mechanisms. Perspectives on Psychological Science, 13(6), 770–788. https://doi.org/10.1177/1745691618774270

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