Brasileiros apontam falhas em famoso estudo sobre exercícios e diabetes

Questão de Fato
23 mai 2024
Autor
atleta de corrida

Um grupo de cientistas brasileiros apontou falhas em um estudo de pesquisadores da Universidade de Stanford, EUA, sobre exercícios e diabetes que ganhou manchetes recentemente na mídia nacional e internacional. Publicado originalmente em julho do ano passado no periódico Diabetologia, o ensaio liderado por Yukari Kobayashi, da Divisão de Medicina Cardiovascular da prestigiosa instituição americana, comparou a prática de exercícios de força com a de aeróbicos e uma combinação dos dois tipos de atividade no controle glicêmico e da gordura corporal em indivíduos com diabetes do tipo 2 e peso "normal" (índice de massa corporal - IMC -, calculado pela divisão do peso em quilos pelo quadrado da altura em metros). Ao fim, os pesquisadores de Stanford afirmavam que o treino de força era "superior" ao aeróbico para isso, e sem diferença significativa para o combinado.

A conclusão, no entanto, não pareceu acertada para alguns cientistas brasileiros. Ainda em novembro do ano passado, André Lopes, doutor em ciências do movimento humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), publicou críticas ao estudo em sua conta na rede social Instagram. E agora, em carta ao editor publicada no próprio Diabetologia, ele e os colegas André Pontes-Silva, Aldair Darlan Santos-de-Araújo, Bruno C. Teixeira, Randhall B. Carteri e Gustavo S. Ribeiro destacam os questionamentos.

Primeiro, o ensaio de Stanford, denominado STRONG-D, registrou que os participantes, tanto do grupo aeróbico quanto do combinado, exercitaram-se a uma carga equivalente a cerca de 70% do seu nível metabólico máximo, em intensidade que se manteve durante toda a atividade. O estudo original, no entanto, não explicita qual foi a carga de treino dos participantes do grupo força, o que pode ter afetado os resultados.

"A literatura mostra que os resultados de intervenções com exercícios são dose-dependentes, o que significa que a quantidade de exercício feito determina a magnitude do benefício da intervenção. Assim, temos duas limitações neste caso: os autores (do estudo de Stanford) não controlaram as relações dose-resposta das intervenções, e não está claro quem realizou o maior trabalho total", escreve o grupo de brasileiros na carta.

Em segundo lugar, continuam, os pesquisadores de Stanford relatam que os participantes do grupo força do ensaio tiveram uma redução média maior nas taxas de hemoglobina glicada (HbA1c) e massa gorda dos que os dos grupos aeróbico e combinado. Mas, embora tenham considerado este resultado estatisticamente significativo, falharam em demonstrar a relevância clínica deste achado definindo um mínimo que resultasse em uma diferença clinicamente importante.

Uma maneira de fazer isso, apontam os brasileiros, seria usar um parâmetro conhecido como "D de Cohen", cujo modelo matemático baseado em médias e desvios-padrão dos grupos independentes permite classificar efeitos de intervenções como "muito pequenos", "pequenos", "moderados" ou "grandes", e assim dar pistas de sua possível relevância clínica. O estudo original, no entanto, não relatou estes dados de forma que os cálculos pudessem ser feitos de maneira independente.

Por fim, os pesquisadores de Stanford usaram em suas análises um teste estatístico para verificar a validade de comparações entre duas intervenções, e não três, como no experimento que serviu de base para seu estudo. Segundo os brasileiros, isso aumenta o risco dos chamados "erros tipo 1", isto é, apresentar um resultado como tendo significância estatística quando na verdade não passa de fruto do acaso, um falso positivo.

"Ao fazerem a afirmação da superioridade do exercício de força, os pesquisadores de Stanford ignoraram as próprias limitações que expressam no seu estudo", explica Lopes à Revista Questão de Ciência (RQC). "Diante disso tudo que demonstramos, suas conclusões estão comprometidas e não é possível afirmar o que afirmam. A questão sobre qual regime de exercícios é melhor continua em aberto".

De fato, os questionamentos dos brasileiros obrigaram o grupo de Stanford a atualizar seu estudo com correções e ressalvas. Agora, o texto reconhece a ausência de uma parcela substancial de dados no ensaio, e que "mais estudos são necessários para verificar nossos resultados", seguindo-se à frase em que já reconheciam que "a taxa de acompanhamento foi de cerca de 45%; desta forma, o estudo não tem poder suficiente para obter achados conclusivos".

"Publicar esta carta nos faz muito orgulhosos do nosso grupo de pesquisadores brasileiros. Isso mostra a importância da colaboração e da revisão científica global mais participativa e atuante", comenta Lopes. "Este feito não apenas sublinha a competência e a excelência da ciência brasileira, mas reforça a necessidade de um rigoroso processo de análise acadêmica para garantir a precisão e a integridade das descobertas científicas. A correção, fruto de um trabalho meticuloso e dedicado, exemplifica como a ciência transcende fronteiras e beneficia-se da diversidade de perspectivas e conhecimentos. Estamos orgulhosos de contribuir para o avanço do conhecimento científico, e de fortalecer a posição do Brasil no cenário internacional da pesquisa".

 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

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