Detectaram vida fora da Terra?

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28 abr 2025
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K2-18b

Eu amo “O Mundo Assombrados pelos Demônios” de Carl Sagan, não é segredo. Já recomendei a leitura algumas vezes aqui e reforço a mensagem, mais uma vez. O primeiro capítulo, “A Coisa Mais Preciosa”, começa de uma forma cativante com uma história, uma conversa entre Sagan e um taxista que o esperava no aeroporto para levá-lo a uma conferência.

O taxista se mostra empolgado em conversar com ele. No entanto, em vez de falar sobre ciência, o taxista começa a falar sobre astrologia, óvnis e curas alternativas, temas pseudocientíficos. Sagan tenta explicar, com sua paciência característica, que esses assuntos não têm base científica, mas percebe que o taxista, como muitas pessoas, está mal informado e fascinado por ideias que carecem de evidência. O episódio serve para ilustrar a frustração e a importância da divulgação científica: apesar de todo o esforço de cientistas como ele, o conhecimento científico ainda é ofuscado por crenças infundadas no imaginário popular.

Tive uma experiência similar, mas com importantes diferenças. Primeiro, estava indo para o aeroporto. Segundo, e mais significativo, Orlando, o taxista da vez, resolveu criticar os negacionistas. Contou como o criacionismo não faz sentido para ele, e apresentou diversos argumentos para embasar sua opinião. Confesso que me surpreendi positivamente, pois o sentimento que tive quando ele me perguntou o que eu fazia da vida, foi pensar “e lá vamos nós...”. Sagan ficaria feliz de saber, imagino.

No trajeto de cerca de uma hora, conversamos quase todo o tempo sobre ciência e religião. No fim, o tema “vida alienígena” veio à tona. Orlando, com uma certa indignação, disse algo do tipo “considero tolice pensar que, num Universo tão imenso, só existe vida aqui na Terra”. A conversa sobre “aliens” não foi muito além, mas isso me traz à detecção de duas moléculas no planeta K2-18 b e a possibilidade de vida ali.

 

Vida Fora da Terra?

Em entrevista à BBC, Nikku Madhusudhan, líder do grupo da Universidade de Cambridge que apresentou os resultados, comentou: “Esta é a evidência mais forte até agora de que possivelmente existe vida lá fora. Posso afirmar, realisticamente, que poderemos confirmar esse sinal dentro de um ou dois anos.” E aqui já começo a ser chato, apesar do contraponto ser óbvio: confirmar o sinal não é o mesmo que confirmar a existência de vida, e certamente Madhusudhan não quis dizer isso. Mas vamos começar do começo?

Primeiro, algumas informações sobre o planeta K2-18b. Esse exoplaneta está a 124 anos-luz de distância de nós — ou seja, levaria 124 anos para chegar lá se viajássemos na velocidade da luz (o que é impossível, até onde sabemos). O planeta tem um raio cerca de 2,6 vezes maior que o da Terra (que é redonda!), o que faz com que seja grande, mas menor do que Netuno, por exemplo.

Utilizando o Telescópio Espacial James Webb (JWST), o grupo de pesquisadores encontrou indícios da presença da molécula sulfeto de dimetila (DMS) na atmosfera do K2-18b. A detecção foi possível depois de analisar a luz da estrela hospedeira enquanto ela atravessava a atmosfera do planeta. O cerne da técnica é o seguinte: diferentes compostos químicos deixam marcas distintas no espectro da luz. Em adição ao DMS, a análise dos dados também sugere a possível presença de dissulfeto de dimetila (DMDS).

Os compostos chamam a atenção porque, aqui na Terra, são normalmente produzidos por organismos vivos, como o fitoplâncton marinho.

A presença de DMS já havia sido sugerida em 2023, mas estudos mais focados na sua detecção ainda eram necessários. O novo trabalho, portanto, é um esforço nesse sentido. Mas e aí, significa que é vida? Ou pelo menos sugere muito fortemente que é vida? Eu não diria isso.

 

Muita calma nessa hora...

Questão importante: as moléculas DMS e/ou DMDS estão realmente presentes? Há sempre a possibilidade de que ruído seja interpretado como sinal. Ou seja, são realmente as moléculas que se supõe, ou o sinal detectado é enganoso? Como ressalta diz Laura Kreidberg, astrônoma do Instituto Max Planck de Astronomia, em Heidelberg, Alemanha, a detecção reportada pelo grupo de Cambridge “está realmente no limite do que o JWST é capaz de fazer”. Quando estamos trabalhando nesses limites, é sempre preciso ter muita cautela.

O grupo de Cambridge, contudo, afirma que a probabilidade de a detecção ser um falso positivo — inferindo a presença de algo que na verdade não está presente — é baixa. Segundo eles, a probabilidade de que o sinal observado seja produto do acaso é de apenas 0,3%.

Mas suponhamos que o grupo realmente detectou as moléculas. Isso significa necessariamente a presença de vida no planeta? Primeiro, evite o erro de alguns que vi por aí: a alta probabilidade de as moléculas estarem lá não significa alta probabilidade de haver vida por lá! São coisas diferentes, evidentemente, mas algumas pessoas parecem confusas.

Imagine que você entra em uma casa e sente um cheiro forte de bolo de chocolate. Você consegue identificar com bastante precisão aquele aroma específico — cacau, baunilha, talvez um toque de açúcar queimado. Isso equivale a detectar, com alta probabilidade, moléculas como DMS ou DMDS na atmosfera de um planeta.

Agora, sentir esse cheiro não significa que há um bolo sendo assado naquele momento. Pode ser que alguém tenha assado um bolo horas atrás. Pode ser um aromatizante artificial. Pode até ser que o cheiro veio da casa vizinha por uma janela aberta. Ou seja, o fato de o cheiro ser mesmo de bolo não garante que há um bolo real ali, recém-saído do forno — muito menos, que foi feito por alguém presente no local.

Do mesmo modo, detectar moléculas que aqui na Terra são produzidas por seres vivos não significa, automaticamente, que há vida em outro planeta. A alta confiança de que o cheiro é de bolo (ou de que as moléculas estão lá) não é o mesmo que alta confiança de que há vida ali agora. No caso do DMS, já foi demonstrado que processos abióticos — ou seja, independentes da vida — podem produzir essa molécula. Inclusive, foi detectada a presença de DMS em um cometa, que muito provavelmente não é abrigo de vida.

Há ainda outro ponto relevante, para ser honesto quando as alegações de cada posição. Segundo Nikku Madhusudhan, líder do grupo de pesquisadores da Universidade de Cambridge responsável pela descoberta, “a quantidade que estimamos dessa substância na atmosfera é milhares de vezes maior do que o que temos na Terra”. Ou seja, é preciso investigar se os processos abióticos são capazes de gerar tamanha quantidade dos compostos (assumindo, claro, que realmente estejam presentes).

A única certeza que podemos ter quanto a esse assunto é que há um debate legítimo em curso, conforme muito bem apresentado em matéria na BBC, que serviu de base para as considerações a seguir. Diferentes grupos de pesquisa têm proposto interpretações alternativas — abióticas — para os dados coletados a respeito do K2-18b. Não é apenas a possível presença de DMS e DMDS que está em jogo, mas a própria constituição física do exoplaneta. Ou seja, “é se atrás de se” nessa história.

Alguns pesquisadores questionam se há mesmo um oceano de água em K2-18b; a presença de água é geralmente tida como de grande importância para a existência de vida como a conhecemos. Quanto ao possível oceano em K2-18b, infere-se sua presença a partir da ausência de amônia na atmosfera. Uma enorme massa de água poderia estar absorvendo essas moléculas.

Contudo, Oliver Shorttle, da Universidade de Cambridge, explica a ausência de amônia de uma forma alternativa: um “oceano” de rocha derretida. Se for esse o caso, qualquer possibilidade de vida estaria severamente comprometida. Já o pesquisador Nicolas Wogan, do Centro de Pesquisas Ames da Nasa, propõe outra leitura dos dados: para ele, K2-18b seria um mini gigante gasoso — ou seja, um planeta sem superfície sólida.

Essas interpretações concorrentes também enfrentam críticas, é claro. Outros especialistas afirmam que essas hipóteses não se alinham completamente com as observações feitas pelo Telescópio Espacial James Webb. Isso só aumenta a complexidade e o vigor do debate científico sobre a verdadeira natureza de K2-18b e presença ou não de vida em sua possível superfície talvez habitável. Por enquanto é seguro concluir que... não sabemos se há vida fora da Terra. Aguardo os próximos capítulos dessa novela!

João Lucas da Silva é mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pampa, e atualmente Doutorando em Ciências Biológicas na mesma universidade

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