
Recentemente, revisei um artigo que observou um possível mecanismo de ação entre o ácido linoleico, uma gordura poli-insaturada presente em todos os óleos vegetais, e um tipo específico e agressivo de câncer de mama: o triplo-negativo. A conclusão é de que a evidência disponível ainda é muito preliminar e requer confirmação em novos estudos.
No entanto, as polêmicas sobre óleos vegetais não pararam por aí. Em uma postagem na rede X, o secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr. — de quem já falamos anteriormente aqui na RQC — afirmou (em tradução livre):
“(...) Desde 1990, descobrimos que os óleos vegetais estão entre as principais causas da epidemia de obesidade. Curiosamente, esse aumento drástico coincidiu com a época em que as redes de fast food deixaram de usar sebo bovino (beef tallow) e passaram a utilizar óleos vegetais em suas fritadeiras. As pessoas que gostam de comer um hambúrguer com batatas fritas de vez em quando não são as culpadas, e os americanos deveriam ter todo o direito de comer fora sem serem envenenados, sem saber, por óleos vegetais pesadamente subsidiados. É hora de Fazer da Gordura Bovina o Óleo de Fritura de Novo!”.
Se, por acaso, você achou que esse discurso se assemelha mais a uma bravata pseudocientífica — especialmente pela utilização da palavra “envenenados” para se referir aos óleos vegetais — do que a uma alegação baseada em evidências científicas, parabéns: você está certo.
Kennedy Jr. comete um erro básico ao confundir correlação com causalidade — algo, infelizmente, comum em suas declarações. No entanto, há um aspecto nesse discurso que levanta a possibilidade de um outro motivo. A frase de efeito final, “É hora de Fazer da Gordura Bovina o Óleo de Fritura de Novo!”, é, curiosamente, uma variação do slogan que estampa os produtos de merchandising do secretário, alguns dos quais chegam a custar US$ 40 (cerca de R$ 210).
Incrivelmente — e para minha surpresa — esse delírio não teve início com Kennedy Jr. e seu movimento Make America Healthy Again (MAHA), mas remonta à década de 1950, quando alguns médicos começaram a questionar os óleos vegetais, que, até então, não faziam parte da alimentação cotidiana. Esse receio permaneceu adormecido por muitos anos, até ressurgir de forma virulenta em 2013, quando o advogado e autor australiano David Gillespie publicou o livro “Toxic Oil: Why vegetable oil will kill you and how to save yourself”. Falaremos sobre ele com mais profundidade em outra seção do artigo, mas, basicamente, Gillespie alega que a indústria alimentícia cooptou nutricionistas e outras autoridades da área para defender os óleos vegetais como saudáveis, enquanto, por interesse financeiro, optava por utilizá-los na produção de alimentos por serem mais baratos do que opções "naturais".
Trata-se de uma mistura de teoria conspiratória com a falácia do apelo ao natural — mas que, infelizmente, soa razoável para muitas pessoas.
Se tomarmos um retrato atual de alguns defensores dessa patranha, temos um cenário preocupante. Por exemplo, um corte do episódio 2304 do podcast The Joe Rogan Experience, em que o apresentador Joe Rogan conversa com o biólogo e “biohacker” Gary Brecka, teve, em apenas um mês, quase 500 mil visualizações.
De que trata esse corte, você deve estar se perguntando? Simples: uma resposta infundada de Brecka sobre como o processamento dos óleos vegetais os tornaria tóxicos, causando inflamação e, consequentemente, inúmeros problemas de saúde. Essa explicação — entre outras igualmente questionáveis — é usada como base teórica para sustentar a ideia de que os óleos vegetais são tóxicos.
Como sabemos, e já debatemos inúmeras vezes aqui na RQC, o fato de algo ser "processado" não o qualifica, por si só, como deletério à saúde. Eu poderia, facilmente, encerrar o artigo aqui e afirmar com bastante convicção que o receio em relação aos óleos vegetais é infundado, baseado apenas em teorias conspiratórias e em um entendimento precário sobre os métodos de processamento envolvidos na fabricação desses produtos.
No entanto, como essas patacoadas importadas costumam ser reproduzidas por gurus de saúde brasileiros, acredito que vale a pena explicar como os óleos vegetais são produzidos, os fundamentos por trás da hipótese de que seriam tóxicos — e por que ela falha —, além de apresentar o que dizem, de fato, as evidências científicas.
Conspiração
Aparentemente, um dos primeiros proponentes da ideia de que os óleos vegetais poderiam ser tóxicos foi Raymond Peat, biólogo americano e autor de diversos livros e artigos. Em seus escritos, Peat defendia que a ausência de um tipo de gordura, os ácidos graxos poli-insaturados, na dieta levava animais a se tornarem muito mais saudáveis e resistentes ao envelhecimento, à demência, a doenças autoimunes e inflamações em geral.
Peat também afirmava que a ingestão diária recomendada desses ácidos graxos era suficiente para aumentar significativamente a incidência de câncer. De acordo com ele, alguns estudos mostravam que dietas isentas de gordura praticamente eliminavam o desenvolvimento espontâneo de câncer em ratos. Além disso, acreditava que os ácidos graxos poli-insaturados e seus metabólitos poderiam desencadear diferentes problemas biológicos, como doenças renais e aterosclerose.
Apesar de Peat ter convencido muitas pessoas com sua visão de mundo, ele não foi o principal propagador dessa teoria estapafúrdia. Esse papel, ainda que não exclusivo, cabe a David Gillespie e seu livro Toxic Oil.
Na obra, Gillespie argumenta que, ao contrário dos óleos de frutas e oleaginosas (como coco, abacate e pecã), os óleos extraídos de sementes seriam extremamente perigosos por conterem altas concentrações de ômega-6 — uma gordura poli-insaturada. Embora inicialmente considerada saudável por autoridades de saúde e empregada para substituir as gorduras saturadas (estas sim, corretamente associadas ao aumento do risco cardiovascular), o ômega-6, segundo Gillespie, teria uma alta reatividade ao oxigênio. Essa característica levaria à formação de compostos tóxicos que destruiriam a integridade das membranas celulares, provocando lesões capazes de originar doenças cardíacas e favorecer o crescimento celular descontrolado.
No caso das doenças cardíacas, o autor fornece um retrospecto de como as primeiras diretrizes para a redução do risco dessas patologias baseavam-se na limitação do consumo de colesterol e gorduras saturadas. No entanto, em vez de os casos diminuírem, observou-se um aumento ao longo dos anos, o que, segundo ele, indicaria que havia algo de errado com essas recomendações nutricionais.
De acordo com Gillespie, o problema surgiu quando as gorduras saturadas passaram a ser substituídas por gorduras poli-insaturadas. Por serem mais facilmente oxidadas, essas gorduras favoreceriam a formação de radicais livres que, por sua vez, poderiam danificar órgãos, além de moléculas e lipídios como o LDL (conhecido como o “colesterol ruim”). Isso levaria à formação de lesões e, consequentemente, poderia iniciar o processo de aterosclerose — caracterizado pelo acúmulo de colesterol e outras substâncias nas paredes das artérias, formando placas que se expandem com o tempo, estreitando os vasos e dificultando o fluxo sanguíneo.
Ele ainda cita estudos observacionais, experimentos em animais e dados estatísticos que, segundo sua interpretação, permitiriam afirmar que as gorduras poli-insaturadas estariam associadas a problemas de saúde que vão de cegueira a diabetes e câncer.
Ao final de sua argumentação, quase como um detetive revelando a identidade do culpado no clímax de um filme de suspense, Gillespie escreve:
“Habitamos uma máquina que foi finamente ajustada por milhões de anos de adaptação a um ambiente que não continha quantidades significativas nem de frutose nem de ômega-6. Portanto, não deveria ser surpresa que o aumento maciço no consumo dessas substâncias desestabilize profundamente a nossa infraestrutura biológica, de formas muitas vezes imprevisíveis e com efeitos em cascata”.
É difícil não notar que o autor, talvez por não ter formação em nutrição ou áreas correlatas, incorre em uma série de erros clássicos — frequentes nas páginas de autoproclamados "gurus da saúde".
Gillespie recorre sistematicamente ao cherry picking, selecionando apenas os estudos que corroboram sua narrativa, ignorando estudos que contradizem ou falham em reforçar sua hipótese. Mais problemático ainda é o fato de equiparar estudos observacionais, ensaios clínicos e experimentos com animais, colocando-os todos no mesmo patamar, como se oferecessem o mesmo peso metodológico e em termos de evidências. Esquece, ou opta por ignorar, por exemplo, que estudos observacionais, embora relevantes, não estabelecem relações causais e são particularmente vulneráveis a vieses e variáveis de confusão.
Recorre ainda a falácias clássicas, como o apelo ao natural — a ideia de que se uma substância não era consumida pelos nossos ancestrais, então não deveria ser consumida hoje — e o apelo à antiguidade, que presume que práticas alimentares milenares seriam, só por essa razão, superiores às atuais.
Curiosamente, apesar da retórica alarmista em torno dos óleos vegetais, Gillespie praticamente ignora o processo industrial de fabricação desses produtos — uma das críticas mais comuns feitas por detratores dos óleos refinados.
Isso indica que o temor relacionado ao processamento dos óleos talvez seja uma adição posterior. Aliás, a nova versão da hipótese do óleo vegetal maligno — que tem ganhado força nas redes sociais — consegue ser ainda mais perturbadora do que a proposta de Gillespie, embora se apoie nela. A versão “2.0” sustenta que praticamente todas as doenças crônicas da modernidade seriam causadas pelos óleos vegetais.
Essa narrativa é construída sobre três pilares: primeiro, a comparação anacrônica entre a dieta dos nossos ancestrais, supostamente pobre em ácido linoleico, e a dieta moderna, onde até 20% das calorias podem vir de ômega-6; segundo, uma teoria conspiratória segundo a qual esses óleos teriam sido introduzidos não por viabilidade nutricional ou tecnológica, mas com a intenção de baratear produtos; terceiro, a inferência de que uma substituição feita com base em considerações econômicas será, necessariamente, ruim para a saúde da população.
De acordo com os proponentes dessa nova versão, os malefícios dos óleos vegetais não se limitariam ao conteúdo de ômega-6. Eles alegam que tais produtos foram originalmente desenvolvidos como lubrificantes industriais — não para o consumo humano — e só mais tarde “adaptados” para uso alimentar, graças a processos tecnológicos agressivos.
Entre os procedimentos demonizados estão a extração com hexano (um solvente derivado do petróleo, com potencial neurotóxico), o uso de temperaturas elevadas que supostamente deixariam o óleo rançoso, e etapas como a desodorização com hidróxido de sódio (uma base fortemente alcalina que, segundo os críticos, seria carcinogênica) e a descoloração.
Essa retórica, que mistura alarmismo químico com revisionismo histórico, encontra eco em vozes influentes como a da médica Cate Shanahan, que cunhou a expressão “The Hateful Eight” para se referir aos oito óleos vegetais que estariam “nos matando lentamente”: milho, canola, algodão, soja, girassol, cártamo, farelo de arroz e semente de uva. Shanahan chegou a afirmar, durante a pandemia de COVID-19, que muitos óbitos em pacientes com menos de 65 anos não ocorreram apenas por causa do vírus em si, mas sim porque as pessoas teriam organismo “carregado” de ácidos graxos poli-insaturados.
Quase soando repetitivo, a lógica por trás dessa nova versão falha exatamente nos mesmos pontos que sua antecessora: baseia-se, majoritariamente, em estudos observacionais, in vitro ou em modelos animais, frequentemente extrapolando conclusões sem respaldo clínico robusto; descarta evidências contrárias não por deficiências metodológicas, mas por não se alinharem à narrativa defendida — acusando tais estudos de serem manipulados por interesses da indústria alimentícia; faz uso recorrente de cherry picking para sustentar suas afirmações; e, por fim, recorre insistentemente à falácia do apelo ao natural, argumentando, de forma simplista, que qualquer inovação tecnológica que altere uma substância in natura deve, por princípio, ser prejudicial ao organismo humano.
Esse último ponto, aliás, é um dos mais repetidos nos inúmeros vídeos curtos e postagens virais que têm circulado pelas redes sociais. Por essa razão, acredito ser pertinente nos aprofundarmos brevemente no contexto histórico e técnico do processamento de alimentos — especialmente no que diz respeito aos óleos vegetais.
História
Adiantando, essa seção foi baseada nos artigos "Dietary Fats and Oils: Some Evolutionary and Historical Perspectives Concerning Edible Lipids for Human Consumption" e "Oil for Food: The Global Story of Edible Lipids", além do capítulo "Vegetable Oils and Fats: Extraction, Composition and Applications", presente no livro Plant based "Green Chemistry 2.0".
A produção de óleos vegetais não é uma invenção moderna, tampouco nasceu da indústria petroquímica, como muitos dos vídeos sensacionalistas fazem parecer. Há evidências arqueológicas e documentais que indicam que, já por volta de 6.000 AEC, os habitantes da Galileia cultivavam oliveiras para a produção de azeite. De modo semelhante, registros egípcios apontam o uso de óleo de palma e coco há pelo menos 4 mil anos.
Desde 1137 AEC o óleo de gergelim já era produzido tanto no Mediterrâneo quanto na Índia, enquanto o óleo de soja se tornou comum na Manchúria e na China por volta do ano 1000. Na América do Sul pré-colombiana, por sua vez, os astecas extraíam óleo de amendoim antes mesmo da chegada dos colonizadores europeus no século 15.
Foi, porém, durante a Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século 18, que a produção de óleos vegetais deu um salto significativo. O período foi marcado pela convergência de inovações tecnológicas, avanços no entendimento químico das gorduras e pela formação de um mercado de consumo em expansão. Três desenvolvimentos, em especial, foram cruciais para viabilizar a produção em larga escala:
(1) Substituição da prensagem mecânica pela extração química com solventes, como o hexano — processo que aumentou significativamente o rendimento da extração.
(2) Melhorias nos métodos de conservação, como a adição de antioxidantes e o uso de refrigeração, que ajudaram a evitar a rancificação (o processo de degradação que confere odor e sabor desagradáveis e pode gerar compostos tóxicos).
(3) Descoberta da técnica de hidrogenação, que consiste na adição de hidrogênio a óleos poli-insaturados para modificar sua estrutura, tornando-os mais sólidos e estáveis, com propriedades semelhantes às das gorduras saturadas naturais — o que se mostrou particularmente útil para aplicações industriais, como margarinas e produtos de panificação.
Graças a esse terceiro fator — que, quando realizado de forma parcial, gerava as maléficas gorduras trans —, os óleos poli-insaturados tornaram-se significativamente mais estáveis, com uma grande redução no risco de rancificação.
Hoje, antes do início do processamento, verifica-se a umidade das sementes, a fim de evitar o crescimento de fungos e a formação de compostos que aceleram a oxidação.
A seguir, as oleaginosas podem ser submetidas a três métodos principais de extração: (1) cozimento; (2) prensagens com prensas mecânicas; e (3) extração com solventes voláteis.
No caso do cozimento, as sementes são empilhadas e expostas ao Sol, e o óleo é liberado naturalmente. Esse método é restrito a sementes ou frutos com alto teor de gordura facilmente extraível, como a azeitona, o dendê e a palma.
O processo de prensagem mecânica, como o nome indica, rompe as paredes celulares das oleaginosas, liberando o óleo contido no interior das células. Quando essa extração ocorre sem o uso de calor, o produto obtido é conhecido como óleo extraído a frio (ou óleo virgem).
A extração com solventes, por sua vez, é aplicada em sementes previamente preparadas — limpas, quebradas, condicionadas e laminadas em flocos. O solvente dissolve o óleo das células já rompidas por processamentos anteriores. Nesse processo, há também a extração aquosa do óleo, na qual os componentes solúveis misturam-se à água, enquanto o óleo, parcialmente insolúvel, fica separado ou parcialmente emulsionado.
Várias propriedades do óleo, como o teor de ácidos graxos livres, são influenciadas pelo tipo de solvente utilizado. O hexano é o mais empregado comercialmente. O processo moderno consiste em fazer o solvente passar pelo material oleaginoso triturado, moído, laminado ou prensado. Ao final, o solvente é separado do óleo por meio de um evaporador, seguido por destilação a vácuo, garantindo a remoção quase total.
Após a extração, o óleo bruto necessita passar por processos de refino. Essas etapas servem para remover impurezas e obter um óleo uniforme, com boa aparência, sabor agradável e maior validade.
Os processamentos que transformam grãos, oleaginosas e sementes em óleos vegetais não tornam o produto mais prejudicial à saúde, mas sim permitem sua produção em maior escala e dentro dos padrões de qualidade estipulados pelas agências regulatórias ao redor do mundo. Por exemplo, o hexano — tão criticado — aqui no Brasil é autorizado para a produção ou fracionamento de gorduras e óleos, bem como para a produção de manteiga de cacau, desde que seu resíduo esteja abaixo do limite máximo de 1 mg/kg.
Pode ocorrer a produção de um óleo com qualidade inferior e que represente risco à saúde? Com toda certeza, mas na maioria das vezes isso não acontece por falhas no processo de extração e refino em si, e sim por erros humanos ou fraude. Um exemplo claro disso é o caso do azeite: embora não faça parte dos “Hateful Eight”, trinta e oito marcas de azeite tiveram lotes proibidos para consumo no Brasil pelo governo federal por apresentarem irregularidades como falsificação, importação e distribuição por empresas sem registro formal (CNPJ), não conformidade com as exigências sanitárias e incertezas sobre a origem ou composição do produto.
As evidências
Apesar de a literatura científica sobre a relação entre ácido linoleico e diversos desfechos de saúde ser bastante extensa, destacam-se dois artigos recentes, de 2019 e 2020, que fazem excelentes revisões e resumem as evidências disponíveis até o momento.
Começando pelo mais antigo, "Biomarkers of Dietary Omega-6 Fatty Acids and Incident Cardiovascular Disease and Mortality: An Individual-Level Pooled Analysis of 30 Cohort Studies”. Nesta pesquisa, os autores realizaram uma análise combinada de dados individuais de 30 estudos de coorte participantes do consórcio FORCE — uma rede que investiga a relação entre ácidos graxos e desfechos de doenças crônicas.
O objetivo do estudo foi avaliar a associação entre o ácido linoleico (LA) e o ácido araquidônico (AA) e a incidência de doenças cardiovasculares (DCV).
Ao final, a análise combinada contemplou 76.356 medições de ácidos graxos em 68.659 participantes, distribuídos em 30 estudos prospectivos conduzidos em 13 países.
Foram documentados 10.477 eventos de doenças cardiovasculares, 4.508 mortes, 11.857 casos de doenças coronarianas e 3.705 acidentes vasculares cerebrais isquêmicos.
A análise geral, comparando níveis desses ácidos no sangue dos voluntários e a ocorrência de problemas cardiovasculares, sugere que o LA pode ter algum efeito protetor contra DCV ou AVC, enquanto o AA parece não ter efeito positivo ou negativo nessa área.
Entretanto, é importante destacar algumas limitações do levantamento, como a heterogeneidade dos estudos incluídos.
E não se pode excluir a possibilidade da existência de variáveis residuais ou não mensuradas que possam influenciar os resultados.
Expandindo essas descobertas, temos o artigo “Dietary intake and biomarkers of alpha linolenic acid and risk of all cause, cardiovascular, and cancer mortality: systematic review and dose-response meta-analysis of cohort studies”. De forma semelhante ao estudo anterior, os pesquisadores buscaram investigar as associações entre a ingestão e a presença de ácidos graxos no organismo e o risco de mortalidade por diversas causas.
Para isso, foi realizada uma busca na literatura em duas bases de dados, abrangendo estudos publicados até 31 de julho de 2019, conduzidos em humanos, escritos em inglês, e que investigaram a relação entre ingestão de LA — avaliada por meio de inquéritos alimentares ou biomarcadores — e mortalidade por todas as causas, doenças cardiovasculares e câncer.
A busca inicial resultou em 11.356 artigos, porém, após a aplicação dos critérios de qualidade e análise dos resumos, a meta-análise considerou 38 pesquisas.
Ao comparar a categoria com maior ingestão dietética de ácido linoleico com a categoria de menor ingestão, verificou-se uma redução de 13% no risco relativo de mortalidade por todas as causas, além de uma redução de 11% na mortalidade por doenças cardiovasculares e câncer. Efeito na mesma direção foi observado nos estudos que avaliaram biomarcadores.
Com base nesses resultados, os autores concluem que uma maior ingestão de ácido linoleico está associada a um risco modestamente menor de mortalidade por todas as causas, por doenças cardiovasculares e por câncer. Esses dados reforçam as recomendações atuais de substituir alimentos ricos em gorduras saturadas ou carboidratos por aqueles ricos em ácidos graxos poli-insaturados.
Embora esse estudo esteja alinhado, e de forma significativa, com meu entendimento sobre o tema, é fundamental reconhecer limitações importantes. Por exemplo, a avaliação da ingestão de gorduras saturadas baseou-se em questionários de frequência alimentar, ferramenta que, apesar de relevante, pode sofrer influência do efeito Hawthorne — ou seja, a mudança no comportamento dos participantes quando sabem que estão sendo observados — e do viés de memória. Além disso, como destacado pelos próprios pesquisadores, houve grande variação no delineamento dos estudos, nas metodologias de avaliação da exposição, nas populações analisadas e nos ajustes para covariáveis, o que dificulta a padronização dos resultados.
Outro ponto relevante é que as análises se basearam exclusivamente em estudos observacionais, os quais, por natureza, não permitem estabelecer causalidade e não eliminam completamente a possibilidade de fatores de confusão residuais.
Apesar das limitações presentes em ambas as revisões, acredito que elas nos oferecem um veredito — muito mais fundamentado — contrário às alegações dos asseclas do movimento anti-óleos vegetais. Embora concorde que realizar um ensaio clínico randomizado para essa questão seja praticamente impossível, as evidências mais robustas disponíveis até o momento apontam que os óleos vegetais são saudáveis, quando consumidos com moderação. Por outro lado, o consumo excessivo de gorduras saturadas e carboidratos simples — como o açúcar — acima dos valores considerados “limites” (aproximadamente 10% das calorias totais para ambos; sendo que para o açúcar, o ideal é menos de 5%) provavelmente aumenta o risco de doenças cardiovasculares e outros desfechos negativos para a saúde.
Isso significa que basta substituir esses alimentos por óleos vegetais para que os riscos desapareçam magicamente? De forma alguma. Como estamos lidando com problemas multifatoriais de saúde, não é a mudança isolada em um único fator que trará a solução definitiva, mas, ao menos, é um fator a menos para preocupar.
Mauro Proença é nutricionista
REFERÊNCIAS
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